Sangue suor e lágrimas. Que têm os odores corporais a ver com a política?

Investigadores defendem que a tendência para seguir líderes autoritários pode ter um lado inato. Não quer dizer que não possa mudar, mas estudo pode ajudar a perceber porque é que algumas convicções são difíceis de alterar

É suor, sangue e não exatamente lágrimas, mas questões mais do foro intestinal como o rasto da flatulência de um estranho. Um estudo publicado esta semana vai direto ao assunto e é parco nos pormenores mais escatológicos, ainda que as perguntas feitas às cobaias contenham imagens suficientes para repugnar os mais sensíveis – do género até que ponto fica enojado ao entrar numa casa de banho que acabou de ser usada por um estranho para defecar e ficou com um cheiro intenso. O assunto é sério, pelo menos para quem se dedica à psicologia da política. A equipa de investigadores suecos e italianos que assina o trabalho conclui que o grau de repulsa a odores corporais pode ser usado para prever atitudes autoritárias.

A investigação foi publicada esta quarta-feira na revista científica “Royal Society journal Open Science” e apresenta três estudos que procuraram, por um lado, classificar o nível de repulsa a odores corporais dos participantes e, por outro, o seu posicionamento político.

Um dos inquéritos em particular, feito um mês antes das eleições norte-americanas de 2016, procurou perceber até que ponto uma maior ou menor repugnância a cheiros internos poderia ser correlacionado com a apetência para votar no candidato mais conotado com visões autoritárias na corrida a Casa Branca, Donald Trump.

As conclusões dos investigadores oferecem uma “associação sólida entre o nível de repulsa a odores corporais e o desejo de ter um líder estilo ditador que consiga suprimir os protestos de movimentos radicais e assegurar que os diferentes grupos da população “ficam nos seus lugares”, resumiu Jonas Olofsson, um dos autores do trabalho vinculado à Universidade de Estocolmo.

Que ligação é esta? Visto de forma isolada, o trabalho poderá parecer apenas insólito, mas não é a primeira vez que uma maior suscetibilidade a cenas repugnantes é associada a visões mais conservadoras. No artigo, os investigadores lembram que trabalhos recentes sugerem que muitos comportamentos humanos são orientados por uma espécie de sistema imunitário comportamental, “um conjunto de mecanismos psicológicos que provavelmente evoluíram para detetar pistas de ameaças à saúde e sobrevivência causada por agentes patogénicos, ativar as respostas afetivas e cognitivas apropriadas a essas ameaças e desencadear mecanismos relevantes de evitação”.

Nesta linha, adianta o artigo, a repugnância pode ser encarada com uma emoção que evoluiu como mecanismo de defesa. E substâncias normalmente repugnantes, onde se pode incluir fezes, muco e feridas, contêm patogéneos.

“Sabíamos de trabalhos anteriores que a sensibilidade à repugnância é maior nos conservadores do que nos liberais. O olfato é um sistema alerta forte para patogéneos, por isso interrogámo-nos se o autoritarismo (a preferência por uma sociedade com contacto limitado entre grupos e pouca mobilidade social) estaria relacionada com a repulsa olfatória”, explicou ao i Jonas Olofsson.

Os resultados foram robustos mas Olofsson não acredita que tenham descoberto a pólvora, apenas mais uma parte do puzzle. “A repulsa a odores corporais explicava apenas 10% do autoritarismo”. Sugerem que será nesta medida que parte da tendência para este tipo de um posicionamento político mais favorável à segregação é inato, como que um instinto para evitar doenças infecciosas, e a experiência de vida terá o papel mais importante. Mas também pode explicar porque é que algumas conceções, sendo intrínsecas, são mais difíceis de alterar. “Os autoritários podem mudar, não é algo cravado na pedra. Pelo contrário, as crenças podem ser atualizadas quando aprendemos coisas novas.”

Ainda assim, a equipa assinala o quão acertada pareceu a pergunta. ”[O estudo] mostrou que as pessoas que se sentiam mais repugnadas pelos cheiros tinham mais probabilidade de votar em Trump do que aqueles que eram menos sensíveis. Achámos que isso era interessante porque Trump fala com frequência de como diferentes pessoas lhe causam repulsa. Pensa que os imigrantes espalham doenças e isso surge na sua retórica. Vai ao encontro da nossa hipótese de que os seus apoiantes se sentem mais facilmente enojados”.

E algum dia este tipo de estudos comportamentais e outros que sugerem que os diferentes posicionamentos políticos se manifestam inclusive em diferenças no cérebro terão um impacto na forma como são organizadas as eleições? “Não acredito que os exames ao cérebro possam relevar alguma coisa sobre as nossas opiniões políticas que não consigamos desde já saber simplesmente perguntando às pessoas como se sentem em relação aos assuntos”, diz Olofsson.