‘Os produtos dos colonatos deviam ser proibidos na UE’

Na semana em que foi alvo dos protestos de organizações judaicas portuguesas e belgas por ter convidado o palestiniano Omar Barghouti para um debate no Parlamento Europeu, Ana Gomes ataca o lóbi judaico e a ocupação ilegal.

Sete organizações judaicas, entre elas a Comunidade Judaica de Lisboa, escreveram esta semana uma carta ao presidente do Parlamento Europeu, o italiano Antonio Tajani, a «expressar as suas profundas preocupações e oposição» em relação ao convite que foi dirigido ao intelectual palestiniano Omar Barghouti (ver texto ao lado) para participar numa conferência sobre Os Colonatos Israelitas na Palestina e a União Europeia, que decorreu na quarta-feira em Bruxelas.

A conferência foi organizada pela eurodeputada portuguesa Ana Gomes, que desde os anos 1990 acompanha de perto a questão, e na abertura da mesma protestou contra a pressão de «um lóbi muito perverso que tenta intimidar pessoas» e que contribui para que hoje se discuta pouco a questão israelo-palestiniana.

As organizações judaicas presentes indignaram-se com o «insulto chocante» e «indigno» e exigiram à eurodeputada que se desculpasse e retirasse o comentário, algo que a mesma se recusou a fazer na altura e que voltou a sublinhar na conversa com o SOL.

«Há um lóbi perverso que procura distorcer aquilo que é dito, por mim, por Omar Barghouti, por outros defensores dos direitos dos palestinianos procurando tudo equacionar como uma linha antissemita. Isso é perverso, maléfico, mentiroso», disse. «É perfeitamente abusivo tentar reduzir a antissemitas aqueles que ousam discutir seriamente com os fazedores da opinião pública na palestina».

Para Ana Gomes, «podem ser organizações judaicas mas não servem os interesses de Israel, nem do Israel democrático que eu apoio. E que não querem certamente a paz entre Israel e a Palestina».

Em conversa com o SOL, Dany Levin Prist, assessor político da organização B’nai B’rtih International, uma das subscritoras da carta, diz que a principal razão do protesto é a «posição contraditória da eurodeputada Ana Gomes» – «a hipocrisia» –, alguém «que sempre se mostrou muito aberta no combate ao antissemitismo e à defesa das causas das minorias» e, no ano passado, quando foi votada uma resolução de combate ao antissemitismo, «a eurodeputada votou contra».

Dany Levin Prist diz que a iniciativa foi pessoal e nem sequer reflete a posição da famílias dos Socialistas e Democratas do Parlamento Europeu, que «se recusaram a compactuar com este evento, tanto que a meio retiraram o banner do partido, manifestamente contra o que se estava ali a passar».

O assessor político da B’nai B’rtih International, a mais antiga organização judaica em todo o mundo, garante que «a carta que as organizações enviaram ao presidente do Parlamento Europeu não tem qualquer intuito de boicote, tem o intuito de elucidar sobre a questão, sobre a pessoa a ser convidada», aproveitando para dizer que a resposta de Tajani à eurodeputada será publicada nos próximos dias. Será uma «explicação oficial da instituição face ao evento».

«A eurodeputada Ana Gomes tem toda a liberdade de convidar e organizar os eventos que sejam pertinentes na sua agenda, mas a questão aqui é que o lóbi judaico de Bruxelas foi acusado de perverso e mentiroso», acrescenta.
Em mais um episódio daquilo a que a eurodeputada socialista considera ser «uma marcação cerrada a quem quer discutir, trocar pontos de vista, acaba por não se fazer esse debate», as organizações de defesa dos interesses de Israel fazem com que hoje se discuta muito pouco o conflito.

«E isso tem a ver com a influência desse lóbi reacionário que é o principal responsável por todos os erros que Israel tem feito com a sua política de direita, retrógrada, completamente impeditiva do processo de paz, que prossegue com os colonatos, que são ilegais, que prossegue a ocupação, que é ilegal», refere a eurodeputada ao SOL.

Com posições «supostamente pró-Israel» estes grupos de pressão instalam uma narrativa «absolutamente perversa e que tolhe deputados, tolhe jornalistas, tolhe governantes e é isso que explica que a União Europeia tenha deixado de ter qualquer papel» na resolução do conflito israelo-palestiniano, «a não ser o papel de credor, nomeadamente da ajuda humanitária à Palestina».

A iniciativa de convidar Omar Barghouti visa abrir as portas do diálogo, ouvir outros pontos de vista sobre a questão. «Eu não apoio de maneira nenhuma a destruição do Estado de Israel, nem tenho de concordar em nada com o que Omar Barghouti diz, designadamente em relação ao boicote, tenho é que ouvir o ponto de vista dele», diz Ana Gomes.
«Para fazer a paz é preciso que haja palestinianos que queiram fazer a paz, que tenham esperança na paz e é exatamente essa esperança que a ocupação e os colonatos têm matado. E há muitos judeus inteligentes e democráticos, que entendem que isso não serve os interesses de Israel», acrescentou a eurodeputada.

Boicote aos produtos dos colonatos na Cisjordânia

Ana Gomes considera que é preciso fazer qualquer coisa mais em prol de uma solução para a questão israelo-palestiniana, é preciso que a UE volte a ocupar o seu espaço como ator na promoção da aproximação das partes, muito mais agora com Donald Trump no poder nos Estados Unidos, com a sua posição pró-israelita e que descredibilizou o seu papel de mediador do conflito. Até porque o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, é um aliado do Governo de Benjamin Netanyahu.

«Se a UE impõe sanções à Rússia pela ocupação ilegal da Crimeia – e bem, sempre as apoiei – obviamente não pode pretender não impor sanções de qualquer tipo a Israel pela forma persistente, ao longo de décadas, como tem violado o direito internacional com os colonatos e pondo em causa o processo de paz», diz.

Uma das atitudes que Bruxelas deveria tomar, refere Ana Gomes, seria o «boicote aos produtos provenientes dos colonatos que têm de ser considerados ilegais», explica a eurodeputada. «Não falo de um boicote sistemático, em tudo, mas em relação aos produtos dos colonatos, deveriam ser proibidos».

«A UE decretou a identificação dos produtos como vindos dos colonatos, exatamente para os consumidores europeus saberem e não escolherem esses produtos, mas isso não basta», conclui a eurodeputada.