As guerras de cá e de lá

Se nos sentimos solidários com as vítimas, então temos a obrigação de acabar – ou não começar – as pequenas guerras do dia-a-dia

A Guerra da Síria desenrola-se quase em direto perante os nossos olhos. Mesmo quem não quer é assaltado diariamente com imagens absolutamente impressionantes e perturbadoras do mais horrível do que a espécie humana é capaz.
Desde pequenas as crianças aprendem em casa e na escola que as guerras são terríveis e pedem à noite nas suas orações que haja paz no mundo. Infelizmente, passados uns anos algumas dessas crianças que viveram o horror mais de perto ou mais longe estão de armas nas mãos a fazer parte delas, com uma pulsão destruidora pouco domada de que os homens não se conseguem livrar.

Há quem se sinta menos culpado de viver a sua vida com alguma naturalidade se partilhar mensagens de solidariedade e apoio e ‘postar’ dezenas de fotografias reveladoras da dureza e crueldade sem limites que se vive em locais como a Síria. São muitas vezes as mesmas pessoas que sugerem que a humanidade está em declínio porque permanece indiferente perante esta guerra. Não sei em que se baseiam para fazer observações dessa natureza. Oque as incomoda afinal? Será o facto de nem todos sentirmos necessidade de partilhar fotografias ou observações inquietantes? Será por continuarmos as nossas vidas? Por não haver manifestações nas ruas?

Sentimentos como os que são gerados por notícias como as que temos ouvido, e ainda mais pelas imagens que temos visto, não são fáceis de gerir. São absolutamente perturbantes, revoltantes, angustiantes e acima de tudo geram um enorme sentimento de impotência. Imagino que nem as pessoas mais insensíveis consigam ficar indiferentes. Não somos todos iguais e cada pessoa lidará com estes sentimentos da forma que sente mais adequada e todas são válidas. Não me parece que gritar ao mundo a nossa dor traduza um pesar ou uma compaixão maior do que a daqueles que a vivem para si. Como também não acho que o facto de deixarmos de viver a nossa vida nos torne mais solidários para com as vítimas da tragédia.

Muitas vezes, quando as crianças deixam comida no prato, diz-se-lhes que há meninos que vivem em sítios onde não há nada para comer e que, por isso, os que têm a sorte de viver na abundância devem comer tudo até ao fim. Os mais pequenos não conseguem fazer esta ligação e não entendem de que forma estarão a ajudar outras crianças se comerem tudo. Ainda não percebem que é quase uma questão de respeito.

Julgo que, da mesma forma, não deixando de acompanhar o que se passa no nosso mundo e de fazer o que estiver ao nosso alcance, se nos sentirmos solidários devemos fazer um esforço por aproveitar a vida mais ou menos pacífica que temos a sorte de ter, e acabar – ou não começar – pequenas guerras. Seja com quem nos é mais próximo ou com estranhos, em casa ou na estrada, nas redes sociais, em discotecas ou na rua. Porque estas pequenas guerras conseguimos controlar. Quanto às outras, por mais que tentemos e que nos custe, dificilmente vamos conseguir resolver coisa alguma.