Minitornado no Algarve. A história da enfermeira que foi salva pelo guarda-redes adversário

A cabeça fria de Igor Landim, guardião do Moura, permitiu–lhe resgatar a enfermeira do Moncarapachense em plena ocorrência do minitornado que varreu o sotavento algarvio na tarde de domingo. O recinto da equipa da freguesia de Olhão ficou parcialmente destruído

Em dia de entrega dos Óscares, o cenário que se abateu sob o campo do Moncarapachense parecia realmente saído de uma película digna de Hollywood. Mas não era: deveu-se, apenas e só, aos caprichos da mãe-natureza, que colocou um minitornado a varrer o sotavento algarvio durante a tarde. Muitos foram os prejuízos em Faro, Olhão, Tavira, Altura e Castro Marim, e nem o futebol resistiu à fúria do vendaval: em Moncarapacho, o encontro entre o Moncarapachense e o Moura, referente à Série E do Campeonato de Portugal (terceiro escalão nacional), foi interrompido aos 63 minutos, no meio de um cenário de caos e destruição.

“No banco de suplentes, vimos ao longe que vinha ali alguma coisa estranha. Era uma espécie de remoinho cinzento a aproximar-se, que por onde passava via-se as coisas a levantar! Avisámos o fiscal de linha para falar com o árbitro e interromper o jogo antes daquilo chegar ao campo, mas eles não valorizaram. Quando chegou, começou a cair granizo e um vento muito forte. Os jogadores começaram todos a correr, os que estavam mais próximo dos balneários refugiaram-se lá. Mas nós, que estávamos na outra parte do campo, não conseguíamos correr contra o vento e acabámos por ir ficando para trás”, relata ao i Sofia Pinheiro, enfermeira-fisioterapeuta do Moncarapachense.

A profissional de saúde assume ter vivido momentos de pânico. “Pensei que ia morrer ali, que ia ser projetada contra uma parede e que ia ficar ali! Comecei a entrar em pânico, porque tentava correr e não conseguia, com a força do vento e o granizo que caía”, conta. A salvação acabou por surgir pelas mãos… do guarda-redes adversário: “Estava a ser projetada para trás, até que o Igor Landim, e depois o Mamadi [central], foram-me buscar e juntaram-se à minha volta contra a parede, fizeram uma espécie de concha e puseram-me no meio. Quando a situação melhorou, levaram-me para dentro da secretaria do clube. Foi uma situação muito aflitiva, assusta mesmo muito!”.

Se Sofia contou com a ajuda dos adversários, Márcio Sousa, antigo campeão europeu de sub-17 por Portugal, pode agradecer aos membros da claque do Moncarapachense, que o agarraram no meio do vendaval. “Aquilo levava tudo pelo ar: cadeiras, paredes, um poste de eletricidade, as balizas… Na parte norte do campo, as paredes ruíram mesmo. Outras estão prestes a ruir. As publicidades voaram todas, os bancos ficaram destruídos. E ficámos sem eletricidade. À partida amanhã [hoje] nem haverá treino, porque a eletricidade ainda nem foi restabelecida. Nós treinamos de terça a sábado à noite, tudo depende da luz: a caldeira para os banhos, o posto médico, as lavandarias… Amanhã julgo que ainda não estará pronto e não me parece que nos próximos tempos o campo esteja em condições”, realça Sofia Pinheiro.

O Moncarapachense deveria voltar a jogar em casa no próximo fim de semana, agora frente ao vizinho Olhanense – um encontro que agora está em dúvida. Já o que falta jogar com os alentejanos do Moura deverá disputar-se a 4 de abril, num princípio de acordo que ficou definido entre as duas equipas.

O árbitro mandou seguir Toda a história assume contornos incríveis, dado que ninguém na região algarvia está minimamente habituado a testemunhar fenómenos deste género. Realmente surreal, porém, é outra revelação que Sofia Pinheiro faz ao nosso jornal. “O árbitro [Luís Reforço] ainda equacionou retomar a partida! A equipa de arbitragem era do distrito de Setúbal e não estava interessada em voltar cá. Mas estava tudo em estado de pânico e já não havia possibilidades de voltar a jogar”, salienta a enfermeira do conjunto algarvio, que disputa pela primeira vez na sua história um campeonato nacional.

O minitornado não durou mais do que três ou quatro minutos, mas deixou um enorme rasto de destruição e prejuízos elevados. Um dos muros do estádio caiu mesmo em cima de carros que ali estavam estacionados, tendo alguns deles ficado com danos consideráveis. “E não estavam ali mais carros de jogadores ou dirigentes porque foi dia de mercado e, quando chegámos para a concentração, tivemos de estacionar mais longe porque não tínhamos lugar ali”, conta Sofia, revelando que, “curiosamente”, neste jogo “até estavam mais pessoas do que é normal” em Moncarapacho: “Entre 300 e 400”.

Ontem, o Secretário de Estado da Agricultura e Alimentação prometeu uma ajuda governamental à autarquia, mas do susto já ninguém se livra.