O Jardim que uniu Isaura e Cláudia Pascoal e lhes deu a vitória no Festival da Canção

A final foi renhida, e o voto dos portugueses prevaleceu sobre o do júri, elegendo uma balada sobre o jardim deixado pela avó da compositora 

Da fábrica de canções lusa saiu este domingo “O Jardim”, uma balada xaroposa composta por Isaura e interpretada por Cláudia Pascoal, e que, sagrando-se vencedora no palco do Multiusos de Guimarães, tentará a sua sorte no próximo mês de maio, com a vantagem de jogar em casa. Portugal irá acolher pela primeira vez o Festival da Eurovisão, numa cerimónia que, mesmo nos preparativos, já traz um cheirinho de controvérsia, com o próprio partido do governo a antecipar-se, exigindo esclarecimentos do Ministério da Cultura face ao anunciado programa de voluntariado aberto pela estação pública e que permitirá que um terço das pessoas que vão assegurar o evento não sejam remuneradas. Os socialistas suspeitam que os 300 voluntários que a RTP procura atrair venham a colmatar verdadeiras “necessidades laborais”.

Deixando o que se passa nas sombras e voltando às luzes, o tema eleito pelos portugueses foi composto por Isaura Santos como memento dedicado à avó, que morreu há cerca de um ano e que fora uma figura marcante na vida da artista natural de Gouveia. Diz o refrão: “São as flores o meu lugar/ Agora que não estás/ Rego eu o teu jardim”. Dentro de um mês, Isaura lança o seu primeiro álbum, um passo que põe fim a um longo hiato desde que pela primeira vez a artista foi apresentada ao público português, com a sua participação, em 2010, na quarta edição da Operação Triunfo. Expulsa na quinta gala do programa, tinha então 21 anos. Cincou anos depois, lançou “Serendipity”, o seu primeiro EP a solo. De lá para cá, tem rumado pelo país, entre concertos e saltos para os palcos secundários dos principais festivais portugueses (Bons Sons, NOS Alive, MED e Rock in Rio), nem esquecida nem lembrada, como a larga maioria dos concorrentes que tentam a sua sorte nestes concursos de talentos que, no nosso país, nunca conseguiram ser verdadeiras rampas de lançamento para carreiras de sucesso na música.

Quanto à intérprete do tema que venceu este ano, Cláudia Pascoal tinha já participado em concursos como o Ídolos e, mais recentemente, o The Voice Portugal. Sinal de que o sonho de uma carreira na música faz de muitos jovens portugueses carne para um canhão de fraca memória. Antes tentara já a via da apresentação, concorrendo ao concurso/casting do Curto Circuito da Sic Radical. Natural de São Pedro da Cova, Gondomar, Cláudia começou a tocar guitarra aos 15 anos, e aos 24, mesmo sem o desatavio que fez de Salvador um ícone súbito, está consciente da “responsabilidade” que lhe coloca o desafio de o suceder.

Independentemente de se reconhecerem em registos mais densos – Isaura compõe maioritariamente pop eletrónica alternativa, assumindo a influência de grupos como os The XX, London Grammar e Florence & the Machine, ao passo que Cláudia Pascoal se identifica mais com o jazz –, “O Jardim” está mais na linha do pré-fabricado que gratifica o público que não está para grandes desafios sónicos. Depois de receber o convite da RTP, Isaura compôs a sua primeira canção em português a pensar no Festival da Canção, mas decidiu que queria que fosse outra pessoa a cantá-la. Descobriu Claúdia através de um vídeo na internet, e garante que só precisou de dois minutos para se decidir a enviar-lhe uma mensagem através do Facebook. “Por favor, eu preciso que tu cantes a minha canção no Festival”.

A uma posição do pódio No que toca às audiências, a final do Festival ficou-se pelo quarto lugar na grelha de domingo, isto apesar do frissom que se gerou em volta do Festival da Canção depois do feito inédito de Salvador Sobral (também ele um ex-concorrente destes programas televisivos), interpretando “Amar Pelos Dois”, a canção composta pela irmã, Luísa Sobral, e que virou um hino. Com 22,1% de share, e 912 mil espectadores, não deixam de ser os melhores resultados de entre todas as emissões do Festival da Canção desde 2012.

“O Jardim” não teve uma vida fácil no concurso. Pode dizer-se que a luta esteve renhida até ao fim entre os 14 finalistas que foram apurados após duas meias-finais. O certo é que, este ano, e depois da polémica do plágio envolvendo “Canção do Fim”, de Diogo Piçarra, nenhuma aposta parecia segura. A desistência de Piçarra, depois de ter passado à final com a preferência tanto dos votos do público como do júri, serviu para baralhar tudo e dar as cartas de novo. E tendo dito adeus a uma canção com demasiadas parecenças com uma outra que havia integrado o Volume II do álbum “Cânticos do Reino”, da Igreja Universal do Reino de Deus, o público virou-se agora para a outra balada. “O Jardim” conquistou os 12 pontos do televoto e 10 do júri, ficando empatada com a música ‘Para Sorrir Eu Não Preciso de Nada’, de Catarina Miranda, que obteve 12 pontos do júri e 10 do público. Ora, as regras ditam que, no caso de empate, prevalece a votação do público.