6 de março de 1952. E a rainha disse a si própria: “Adeus, princesa!”

Um mês após ter subido ao trono, Isabel proclamava: “Quer a minha vida seja longa ou curta será, toda inteira, dedicada ao vosso serviço!” Os britânicos aprendiam a conhecer a mulher que tomava o lugar de Jorge vi

O rei morreu, viva a rainha!

Trezentos e cinquenta anos mais tarde, a Inglaterra voltava a ter uma Isabel no trono.

Aos 25 anos, 9 meses e 16 dias, Isabel, segunda do nome, herdava do pai, Jorge vi, a responsabilidade de conduzir os destinos de um povo orgulhoso da sua tradição de nunca vergar.

“A Inglaterra vive um momento grave da sua história – tão grave que é obrigada a medir as suas forças a fim de encarar e aceitar serenamente as maiores responsabilidades da sua existência.”

Parecia que o mundo caía sobre os ombros de Isabel Alexandra Maria, nascida no dia 21 de abril de 1926 no bairro de Mayfair, em Londres.

Hippolyte Adolphe Taine, historiador francês, membro da Academia, escreveu certa vez: “O inglês, como as boias, nunca vai ao fundo, mesmo quando o mar é mais bravo e furioso.”

Não, os ingleses não iriam ao fundo. Nem adivinhavam, então, que o reinado da jovem Isabel duraria para lá da passagem do século.

“Isabel ii sobe ao trono como ramo novo e flor mimosa de uma tradição secular”, anunciava pomposamente o editorial de um vespertino lisboeta, um mês após a morte de Jorge. “Não há gritos, afrontamentos, nem clamores ou discussões: somente o luto nos corações e nos rostos, como a melancolia nas personagens de Ossian.”

Fora educada para ser soberana.

Soberanamente, ainda adolescente, enfrentava a sua precetora escocesa: “Nunca se esqueça que está a dirigir-se à futura rainha.”

Quarta monarca da Casa de Windsor, depois de Jorge v, Eduardo viii e Jorge vi. Casa de Windsor que tomara o lugar da Saxe-Coburgo-Gota, em 1917, por via dos sentimentos antigermânicos provocados pela i Grande Guerra.

Aos 16 anos era nomeada coronel de dois regimentos e tinha pleno conhecimento da disciplina militar. Crescera sob o espetro das guerras. Não fugia ao receio de todo o Império Britânico, que continuava a ser tão grande que nele o sol nunca se punha.

No dia 6 de fevereiro de 1952 estava longe de Londres. Apanhou um voo do aeroporto de Entebe, no Uganda, interrompendo uma viagem que a levaria aos principais países da Commonwealth. Winston Churchill estava à sua espera em Heathrow. Bem como o duque de Gloucester, irmão mais novo do falecido rei.

Diziam as más línguas que o príncipe Filipe, duque de Edimburgo e seu marido, lhe ensinara o calão da marinha e que o usavam com frequência na intimidade.

Em Lisboa, Portugal, o mais velho aliado de Inglaterra, houve luto. As manifestações das autoridades portuguesas decorreram durante um período de cinco dias. As bandeiras estavam a meia haste. As forças militares preparavam homenagens fúnebres. Sir Nigel Ronald, embaixador da Grã-Bretanha, recebeu na embaixada, na Rua de São Domingos à Lapa, centenas de cartões e telegramas vindos de todos os pontos de um país solidário com a dor inglesa.

Adeus, princesa Anunciava-se no dia da proclamação: “Isabel será rainha deste reino e dos outros reinos e territórios, chefe da Comunidade Britânica, dos defensores da fé, em vez de, como antigamente, Grã-Bretanha e Irlanda e Domínios Britânicos de Além-Mar.”

Uma questão de nomenclatura apenas.

Os teatros e cinemas fecharam. As estações de rádio e televisão desapareceram do ar, com exceção dos boletins noticiosos e previsões meteorológicas (sempre tão do agrado dos habitantes da ilha para lá da Mancha), e as igrejas mantiveram-se abertas toda a noite para orações especiais. A vida noturna de Londres paralisou por completo. Nas ruas, a multidão mantivera-se silenciosa, havendo grupos numerosos em solenes vigílias diante do Palácio de Buckingham.

O cadáver do rei veio da sua casa de campo em Sandrigham e foi exposto no átrio de Westminster, junto ao Parlamento.

Morrera enquanto dormia na suprema paz dos tímidos, como gostava de se caracterizar. Trombose coronária, diagnosticaram os médicos. Às 7h30 da manhã, o seu valete, Jimmy McDonald, levou-lhe o pequeno-almoço. Abriu as gelosias. Jorge tinha o sono leve, mas não reagiu à luz do dia.

Isabel era, por seu lado, obrigada a virar costas à timidez.

O voo que tomou em Entebe atrasou- -se. Um tempestade tropical fechou o aeroporto. A aeronave real, chamada Argonaut, só aterraria em Londres pelas 16h20 do dia seguinte.

Vinha aí a burocracia.

E a gestão de 110 libras anuais para os seus gastos pessoais.

A política inglesa, embora em nada sujeita à intervenção do rei – que reina mas não governa –, entrou em estado catatónico. O Parlamento suspendeu todos os trabalhos durante 15 dias.

Um mês depois de ser rainha, Isabel afirmava: “Quer a minha vida seja longa ou curta será, toda inteira, dedicada ao vosso serviço e ao da grande família à qual todos pertencemos!” Como se dissesse a si mesma: “Adeus, princesa!”

O povo britânico aprendeu a conhecê-la. Tal como todo o mundo.

Ninguém diria que ultrapassaria em longevidade o reinado de Vitória Alexandra, sua trisavó, que durou 64 anos.

Mas assim foi.

Não governa, mas continua a reinar.

E os anos passam…