Xanana Gusmão muito crítico acusa ONU e Austrália de “conluio”

Chefe negociador do tratado de fronteira não esteve presente em Nova Iorque para a assinatura do tratado

É preciso algo muito drástico para que um dos tratados mais importantes da história de um país não conte com a presença do chefe da equipa que ajudou a moldá-lo. Mas foi isso mesmo que aconteceu. Ontem, na sede da ONU, em Nova Iorque, o tratado de delimitação de fronteiras entre Timor-Leste e a Austrália não contou com a presença de Xanana Gusmão, que não viajou com a delegação oficial, liderada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Aurélio Guterres, e pelo ministro Adjunto para a Delimitação de Fronteiras, Agio Pereira.

Coube a Agio Pereira, como número dois da equipa de negociação, assinar o documento que define as fronteiras marítimas entre os dois países em nome do governo timorense, enquanto a ministra dos Negócios Estrangeiros australiana, Julie Bishop, representava Camberra. Testemunhas da assinatura, António Guterres, como secretário-geral das Nações Unidas, e Peter Taksoe-Jensen, o mediador das negociações através da comissão de conciliação.

Nenhumas explicações oficiais foram apresentadas para a ausência de Xanana Gusmão. No entanto, ontem, o jornal australiano “ABC” divulgava a carta que o ex–presidente timorense enviou à comissão da ONU, onde se podem ler as razões para o gesto do chefe da equipa de negociação.

Para Xanana, a comissão liderada por Peter Taksoe-Jensen agiu em “conluio” com a parte australiana e as petrolíferas que pretendem explorar o petróleo no mar de Timor. Acusando a joint venture de “manipular o processo” para manter o regime atualmente em vigor na exploração de petróleo, Xanana deixa a ideia: “A sociedade civil dos dois países também pode potencialmente olhar para isto como uma forma de conluio entre o governo da Austrália e os parceiros da Darwin LNG e toda a joint venture da Greater Sunrise, com o apoio da comissão.”

Se os dois países estabeleceram a fronteira nos limites desenhados por Díli, exatamente a meio caminho entre a costa das duas nações, não houve acordo quanto à forma como as reservas de petróleo (calculadas em 50 mil milhões de dólares) deverão continuar a ser exploradas.

“Ficámos desapontados ao ver a direção que a comissão [de conciliação] adotou na sua análise”, diz a carta divulgada pelo “ABC”. “Em vez de trabalhar de forma igual e equilibrada nos dois conceitos de desenvolvimento, os esforços da comissão focaram-se mais em construir o conceito do DLNG [gasoduto para Darwin, na Austrália] em detrimento do TLNG [gasoduto para Timor-Leste]”, acrescenta a missiva de oito páginas, enviada a Taksoe-Jensen com data de 28 de fevereiro.

O chefe dos negociadores timorenses vai mais longe e fala de “posição parcial” da comissão, elogia com ironia a sua “atitude audaciosa e magnânima” e refere que os documentos, “além de conterem falhas graves e erros técnicos e económicos fundamentais, não são uma simples recomendação, sendo, ao invés, uma clara posição parcial, desenhada para pressionar Timor- -Leste a decidir a favor do conceito de desenvolvimento do DLNG”.

Xanana refere que a comissão se permitiu “pensar em nome do povo de Timor-Leste”, embora se limite a “uma avaliação particularmente superficial dos potenciais benefícios para a população” do país.