‘Lembra-te de mim…’

A canção de João Pedro Pais, ‘Lembra-te de mim…’ podia muito bem ser a manifestação do seu desejo de ser recordado sempre pelo público, embora possa não ser essa a intenção

Ultimamente tenho ouvido várias vezes esta música de João Pedro Pais, que integra o CD lançado pelo músico para comemorar os seus 20 anos de carreira. Uma letra bonita, uma música suave, uma mensagem que fica. Não sei se por acaso ou de propósito é o tema escolhido para fechar um conjunto de canções que recordam o percurso artístico deste profissional de muito valor e talento, bem conhecido entre nós.

‘Lembra-te de mim…’ podia muito bem ser a manifestação do seu desejo de ser recordado sempre pelo público, embora possa não ser essa a intenção. Aliás, transmiti a outro músico – seu colaborador (baterista), o experiente Fernando Tavares (que com sua mulher Paula Sousa, ambos meus amigos, tiveram a gentileza de me oferecer o CD) – esta minha observação sobre o título, que permite várias leituras e diferentes interpretações.

Conforme se percebe, esta música fala do envelhecimento, realidade de que ninguém se poderá livrar. Para trás vão ficando recordações boas e más: ‘vitórias e derrotas’, afetos e tantos outros sentimentos que fazem parte da história da nossa vida.

Quantas vezes não dissemos «Lembra-te de mim», não só como gesto de solidariedade mas também com a intenção de mais tarde sermos recordados? A vida continua – e quem vai ficando passará inevitavelmente por esse processo gradual que é preciso aceitar serenamente e sem revolta.

‘Lembra-te de mim…’ podia muito bem ser a manifestação do seu desejo de ser recordado sempre pelo público, embora possa não ser essa a intenção

Contudo, na minha vida profissional, nem sempre é assim. Cada vez conheço mais casos de pessoas que têm dificuldade em aceitar esse ‘problema inevitável’. A própria sociedade parece também querer contrariar a evolução natural da vida, ditando as suas leis de conveniência às quais se agarram afincadamente aqueles que teimam em continuar jovens na idade o resto da vida. As cirurgias estéticas, a cultura do ginásio, a proliferação desmedida de produtos para rejuvenescer (autênticos placebos) são bem o exemplo disso. Aceitar pacificamente o aumento da idade, com as modificações a nível físico e psíquico que ela nos irá impor, não é para toda a gente.

A nossa grande Simone de Oliveira, com a dignidade e categoria que lhe reconhecemos, declarou numa entrevista televisiva não estar interessada em eliminar cirurgicamente eventuais rugas, devido à história e às recordações que cada uma representa para ela. Que testemunho este!

O seu exemplo, porém, não parece ser acompanhado pela maioria da população que, por muitas dificuldades económicas que possa ter, arranja sempre maneira de não fugir ao ginásio, quando não mesmo à cirurgia estética. 
Paradoxalmente, as pessoas nestas condições são as que mais protestam contra o pagamento das taxas moderadoras e as que menos se conformam com a não comparticipação do Estado em certos exames complementares de diagnóstico! Sem palavras…

Como especialista em medicina familiar, reconheço que a prática regular do exercício físico é fundamental – e daí recomendá-la constantemente aos meus doentes. Todavia, é preciso distinguir uma coisa da outra. O ginásio pode ser importante para o exercício físico, mas não tira anos de cima a quem o frequenta. Lembro-me de um dia ter perguntado a um doente (que sofregamente me perguntava quando podia regressar ao ginásio, após doença prolongada) qual a razão da sua pressa, ao que ele respondeu: «O ginásio faz-me sentir mais novo e cada dia que passa sem lá ir vou ficando mais velho».

Quanto à cirurgia estética, dispensando-me de fazer comentários nos casos ditados exclusivamente por motivo estético, estou plenamente de acordo que o Serviço Nacional de Saúde não os comparticipe. 

Lamento, contudo, que nas situações em que o recurso a essa técnica está absolutamente indicado – como, por exemplo, na redução do volume mamário com implicações graves a nível da coluna – sejam colocadas tantas barreiras e dificuldades. Tenho algumas doentes que aguardam desesperadamente pela indispensável cirurgia e continuam em listas de espera sem fim… É um caso que o Estado terá de rever com critério e rigor, separando o trigo do joio com um só peso e uma só medida.

Voltando à mensagem de João Pedro Pais, o envelhecimento faz parte da vida. É próprio do ser humano e de nada adianta tentar contrariar a ordem natural das coisas. Necessário é saber envelhecer e estarmos preparados para isso. 
Cuidemos da nossa saúde, vivendo sem sobressaltos um dia de cada vez. Sejamos solidários, levando o nosso apoio aos outros numa mensagem de esperança. Se conseguirmos deixar essas boas recordações, temos razões para acreditar que, um dia, alguém se lembrará de nós!