Liderança dos EUA altera equilíbrio

A posição dos norte-americanos como principal exportador de petróleo a nível mundial tem implicações em todas as geografias e implica que rivais mudem de estratégia.  

A cada vez maior produção de petróleo dos EUA está a ter um impacto muito grande nos mercados petrolíferos globais e tem também grandes implicações geopolíticas e geoestratégicas em diferentes países. A produção norte-americana americana atingirá este ano a marca recorde de 10 milhões de barris de petróleo bruto por dia (bdp), destronando assim a Arábia Saudita como principal produtor mundial e afetando também a Rússia, que com os sauditas estava a desenvolver uma estratégia de redução de oferta no mercado de forma a manter os preços altos.

Os norte-americanos já são o maior produtor de petróleo e derivados, incluindo petróleo, biocombustíveis e gás natural liquefeito. A produção total já ultrapassa os 15,5 milhões de bpd e no final do ano deverá estar 50% acima das da Rússia ou da Arábia Saudita. Além disso, a expectativa é que os norte-americanos acrescentem, ainda em 2018, 1 milhão de bpd não só à produção, mas também as exportações, que deverão ultrapassar os 8,3 milhões de bpd, acima quer da Rússia, quer da Arábia Saudita. 

Apesar de os EUA ainda importarem 2,5 milhões de bpd, a expectativa é que a sua produção cresça pelo mais 3 milhões de bpd até 2020. Mas ainda mais importante é o facto de o principal hub de negociação do petróleo ser nos EUA, negociando à volta de 16,5 milhões de bpd. O número é equivalente a quase metade da produção da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e quase um quarto do comércio de petróleo e derivados a nível mundial. Nenhum país se aproxima.

No seu mais recente relatório, a Agência Internacional de Energia (AIE) considera que a OPEP está a conseguir implementar a sua estratégia de anular o excesso de oferta de petróleo no mercado. Mas a maior produção dos EUA deixa este plano mais vulnerável.

Em dezembro, os stocks tiveram a queda mais acentuada em seis anos e o aumento da procura também reduz a oferta no mercado. No entanto, reitera a AIE como «principal mensagem» no seu mais recente documento, a produção «fora dos países da OPEP deverá aumentar a um ritmo mais rápido do que a procura». 

Repercussões

Com o crescimento da produção a direcionar os EUA para a liderança do mercado, Rússia e Arábia Saudita irão, no limite, tentar proteger as suas receitas limitando a sua própria produção ou tentar ter uma percentagem do mercado que permita manter o volume das suas vendas.

Mas para isso precisariam de colaboração dos EUA para definir um preço «ótimo». No entanto, o mercado dos EUA é constituído por numerosas empresas, independentes e concorrenciais, com incentivos limitados e sem capacidade legal para cooperarem entre si. Têm sim a capacidade de produzir cada vez mais durante muito tempo e a preços muito mais baixos do que os praticados na atualidade.

Para a Arábia Saudita, ser ultrapassada na liderança implica que deixe de controlar os preços, uma política que seguia com frequência através do aumento ou redução da produção.

No entanto, nos últimos anos, técnicas como ‘fracking’ – exploração de petróleo ou gás de xisto através de fraturação hidráulica de rocha –, reduziram a eficácia dessa estratégia. Citado pela BBC, um especialista aponta que «a decisão dos EUA de aumentar a produção nas regiões de fracking na verdade foi tomada pela OPEP, quando apostou em manter os preços, em vez de aumentar a produção».

Em 2014, o reino saudita tentou retirar os produtores norte-americanos do mercado baixando o preço de forma a que a produção nos EUA não fosse suficientemente lucrativa. Mas as empresas de fracking conseguiram baixar os custos de produção e economizar as margens de lucro, e depois de o barril de Brent ter chegado aos 30 dólares, voltou a subir até perto dos 60 dólares atuais. No entanto, com a inversão da situação e a liderança dos EUA, serão os norte-americanos a determinar os preços e a estabilizar o mercado.

Embora os EUA ultrapassem a Arábia Saudita no volume de produção, outros analistas apontam que os sauditas manterão a posição de liderança no mercado mundial. «O petróleo saudita é produzido por uma única entidade, a Saudi Aramco, de propriedade e administração do Estado. Não é gerida unicamente por critérios económicos. A indústria de energia dos EUA nunca atuará de forma coordenada, seguindo as diretrizes do Estado», diz um outro especialista em energia, que conclui que, apesar de cada vez menor, ainda há uma predominância da Arábia Saudita.
Outras das consequências da liderança norte-americana na produção e exportação de petróleo é o facto de os EUA ficarem mais independentes do Médio Oriente. Assim, cenários como a Crise de 1973 ou a Guerra do Golfo em 1990, durante as quais houve um grande aumento dos preços do petróleo, seriam impensáveis hoje. 

«Apesar de os EUA continuarem a importar milhões de barris por dia, os receios em relação a um embargo deixam de existir», aponta um analista de mercados petrolíferos, acrescentando que «os EUA se tornaram menos vulneráveis à chantagem, como a da OPEP». Assim, os norte-americanos «ganham independência para gerir a sua própria política na região», sem recear que isso possa afetar a economia, como acontecia no passado.

Força do dólar face à China

Ao mesmo tempo, o dólar sai reforçado como forma de pagamento na negociação internacional de energia.
O mundo dos ‘petro-dólares’ tinha como base implícita que os produtores do Médio Oriente que tinham superavites nas suas contas ou mantinham os seus lucros em dólares ou utilizá-los-iam para comprar equipamento militar aos EUA. 
Muitos analistas, e as autoridades chinesas, apontavam para uma substituição do dólar pelo yuan como a moeda, quer para a negociação do petróleo, quer para a resolução de litígios comerciais. Este seria o impulso da chamada ‘Nova Rota da Seda’ – projeto do presidente Xi Jinping para ligar a Ásia e a Europa por estrada, ferrovia e mar, um projeto central para o líder chinês mais poderoso dos últimos tempos expandir o poder e influência económica e geopolítica da China – numa altura em que a os chineses já substituíram os EUA como maior importador mundial de petróleo.

Mas neste novo cenário mundial, um ‘petro-yuan’ depara-se com um obstáculo na substituição do ‘petro-dólar: o papel cada vez maior e mais influente dos EUA como hub do comércio mundial do gás e do petróleo, que vão vender e comprar em dólares e não em yuans. Além disso, a China já está entre os três principais compradores de petróleo e gás natural liquefeito dos EUA, o que contraria aina mais o esforço para a criação do ‘petro-yuan’. 

A nova geopolítica da energia tem os EUA no centro do comércio mundial de gás e petróleo, o que diminui o papel da Rússia e da Arábia Saudita, quer na definição do preço, quer na influência política. 

Influência na Europa 

Esta perda de influência política russa notar-se-á na Europa, continente que depende muito da energia produzida na Rússia.

Ao longo da História Moscovo tem usado a energia como ferramenta de pressão, tendo interrompido já em várias ocasiões o fornecimento de gás natural à Ucrânia e a outros países do leste europeu a poucas semanas do início do inverno.

Com os EUA a liderarem a produção mundial, a Europa «estará agora em melhor posição de negociação com fornecedores russos, uma vez que poderá exercer a vantagem de ter outro potencial fornecedor».

Ainda assim as infraestruturas são decisivas, com o preço do gás natural russo a ser mais baixo devido ao transporte através dos gasodutos enquanto o norte-americano é transportado por mar. A Europa poderá ter uma alternativa na negociação com a Rússia. É uma desvantagem competitiva que ainda pesa e fará com que «a Rússia mantenha sua influência» durante algum tempo, mas que poderá ser revertida com a liderança mundial da produção e exportação petrolífera por parte dos EUA.