Um patrão terrivelmente exigente

De tempos a tempos pergunto-me se o mundo, ao contrário do que pensamos, terá mudado assim tanto ao longo dos séculos. Antigamente os homens de fé colecionavam e veneravam relíquias de santos; hoje os homens sem fé colecionam objetos de celebridades elevadas a santos pagãos dos tempos modernos.

Uma dessas figuras veneradas é, sem dúvida, Steve Jobs. Uma leiloeira de Boston anunciou esta semana que espera realizar pelo menos 50 mil dólares com uma candidatura de Jobs, então um adolescente de 18 anos, a um emprego.

Custa-me a acreditar que alguém possa dar 50 mil dólares por uma folha de papel, assim como me faz confusão saber que há quem passe horas numa fila, ou até durma ao relento, para estar entre os primeiros proprietários de um novo modelo de telefone, iPod ou tablet da Apple.

E, no entanto, compreendo bem o fascínio que a figura de Steve Jobs exerce, fascínio esse ao qual eu próprio não fico indiferente. Em grande parte, isso deve-se a um livro que li poucos anos antes da sua morte, intitulado iSteve – na mente de Steve Jobs, de Leander Kahney.

O que mais me impressionou não foi tanto a história de sucesso de um homem que funda uma empresa, é despedido, regressa uns anos depois e transforma-a num potentado global. Gostei sobretudo de alguns episódios que mostram o seu lado perfeccionista e o seu cuidado com o design.

Quando concebia um produto – um computador, por exemplo – Jobs era obsessivo. A sua atenção estendia-se à embalagem e até aos parafusos. Considerava o ato de desembalar como um momento importante na experiência de compra e mandou substituir as fichas dos auriculares em todos os primeiros iPods quando percebeu que ao introduzir o jack não se produzia um estalido satisfatório. Era de uma exigência terrível. Um funcionário da Apple que visitou a sua casa recordou que esta se encontrava quase despida porque o patrão não encontrava mobiliário que lhe agradasse. Considerava a maioria dos objetos ridiculamente descuidados e uma vez comprou um piano alemão só porque o achou bonito. Como o compreendo!

Mas a passagem mais reveladora diz respeito à arrumação do interior de um computador. Em geral, os componentes ficam um pouco como calha. Jobs queria-os arrumados com critério, de forma a que se olhasse para ali e se visse algo de belo. Um funcionário ter-lhe-á dito: «Ninguém olha para aí, só nós é que vemos isso». Ao que Jobs terá respondido: «Um bom carpinteiro não usa contraplacado para fazer as costas de um móvel, mesmo sabendo que essa parte está virada para a parede e ninguém a vê». Não é apenas uma bela metáfora. É uma autêntica lição de vida.