Itália em Bruxelas. A confirmação de uma preocupação

Os partidos do arco de governação – ou os partidos que seguem as políticas europeias – estão em apuros. Itália veio confirmá-lo e os eurodeputados portugueses não o desmentem. Nas causas e nas soluções, PS, PSD, CDS, PCP e BE, claro, divergem.

Ninguém está exatamente surpreendido e todos estão substancialmente preocupados. Do CDS ao PS, do PCP ao PSD, passando também pela eurodeputada Marisa Matias, do Bloco de Esquerda, nenhum dos portugueses com assento no Parlamento Europeu aplaudiu ao i o resultado das eleições nacionais italianas, no domingo passado.

“Os resultados não são surpreendentes, mas são preocupantes”, introduz Paulo Rangel, social-democrata e vice-presidente do Partido Popular Europeu. “Há uma forte penalização das forças políticas que no plano externo têm defendido as políticas da União Europeia. A manifestação desse descontentamento tem expressões contraditórias, como também já se antevia”, admite igualmente João Ferreira, do Partido Comunista. Nem um nem outro, então, foram apanhados de surpresa pela eleição italiana. 

“No quadro político há uma desagregação profunda: por um lado, do centro-esquerda, que perde estas eleições claramente, e, por outro lado, do centro–direita, que também sai derrotado porque na sua coligação acabou por ganhar a força mais nacionalista e de cariz até xenófobo”, contextualiza Francisco Assis, socialista. “E eu penso que o fator imigração foi absolutamente determinante. Há motivos de receio, quer nessa questão, quer no processo em curso de renovação da zona euro”, continua, em análise ao i. E o quadro do PS, que encabeçou a lista do partido nas últimas europeias, não é o único a apontar os fenómenos migratórios como influenciadores das eleições italianas.

“A Itália é uma fronteira externa da União Europeia que sofre uma enorme pressão. Isso traz para o debate político a necessidade de respostas específicas a que, muitas vezes, a tentativa de padronização europeia não consegue corresponder. Isso aconteceu esta semana em Itália como aconteceu na Alemanha, naquele que foi o mais horroroso dos sinais”, afirma ao i o deputado europeu e vice–presidente do CDS-PP Nuno Melo, referindo-se à “primeira vez que a extrema-direita entrou no parlamento alemão desde 1945”, em jeito de paralelismo com a vitória das forças italianas mais radicais. Já Marisa Matias, ex-candidata presidencial do Bloco de Esquerda, identifica as posições dos vencedores em “matéria de imigração” como “próximas da extrema- -direita”. 

Ao telefone das Honduras, Marisa insiste nesse dado. “É um resultado que infelizmente traduz uma tendência europeia deste momento, que é a viragem política para a extrema-direita”, diz. “O resultado tão significativo demonstra, mais uma vez, a profunda crise dos partidos tradicionais, tendo em conta os resultados do PD [de Renzi], mas também da Força Itália, que é ultrapassada pela Liga Norte”, continua a eurodeputada do Bloco.

A ausência de surpresa em torno do resultado não produz, nesse sentido, garantias em torno da solução que dele sairá. “É um quadro político que carece de clarificação”, sugere João Ferreira. “Não sabemos qual será a solução governativa, mas o peso da extrema-direita aumentou e muito”, conclui ainda ao i Marisa Matias. 

O grau de incerteza em relação ao futuro é outra coisa em comum nos pontos de vista dos eurodeputados portugueses, assim como a erosão daquilo a que alguns chamam arco de governação. O PCP, em vez de arco de governação, sublinha o facto de ser o arco de “partidos que defenderam e implementaram as políticas da União Europeia”.

Paulo Rangel recorda, por sua vez, que há tradição nesta instabilidade romana. “A fragmentação e o impasse na construção de soluções de governo têm largas tradições em Itália. O facto de o PD de Renzi e de a Força Itália de Berlusconi, quando somados, estarem longe de uma maioria absoluta, faz desaparecer a pressão dos moderados na formação do próximo governo. Seja o Cinco Estrelas, seja a Liga Norte, estão agora com as mãos livres, porque um ou outro – ou, pior, ambos – serão determinantes. Mais uma vez, no sistema italiano, o presidente da República vai ser um ator-chave na busca de uma solução equilibrada”, prevê o português, figura de proa no PPE. 

Um aliado improvável para Londres?

É nas consequências do ato eleitoral italiano que Paulo Rangel é mais original – ou, se quisermos, mais estratégico – na previsão. “Tudo depende do governo que resultar dos novos dados eleitorais. Se tiver um forte pendor populista, vai criar fortes tensões com Bruxelas – designadamente nas negociações do Brexit em que, pela primeira vez, os britânicos podem ter um aliado dentro dos 27”, projeta. “Também afetará as discussões sobre a imigração, reforçando as posições xenófobas dos países de Visegrado, a não ser que a Europa, agora com um orçamento menor, aceite pagar o esforço italiano. Na área da economia e da zona euro, tudo depende da agenda Macron-Merkel e da reforma que queiram fazer”, prossegue, mostrando que as questões migratórias e financeiras devem ser prioritárias na agenda europeia. “Em rigor, os italianos queixam-se mais das omissões da Europa do que do seu excesso”, termina Paulo Rangel. 

Serão assim tão radicais? Numa lógica de igual modo pertinente e realista, Francisco Assis evitou dramatizar a conjuntura. “Há motivos sérios de preocupação com o que se passou em Itália, embora haja mecanismos para absorver isto. Apesar de tudo, os governantes tendem a mudar quando chegam ao poder – como foi o caso de Alexis Tsipras, que mudou muito depois daquela entrada em força e é hoje um moderado”, nota, criando novo paralelo mas, desta vez, com o caso grego. “Eu acredito que, neste caso, isso possa acontecer porque conheço a representação parlamentar do Cinco Estrelas. Para mim, foi surpreendente, olhando para a origem do partido e para a forma como ele é apresentado. Não são radicais nem extremistas. De certa maneira, aproximaram-se de um posicionamento pró-europeu”, descreve, sublinhando que fala somente “dos deputados europeus.” Os motivos de preocupação, “claro”, continuam a existir. “Aqui no Parlamento Europeu, o Cinco Estrelas é um bocadinho diferente daquilo que aparenta ser. Tem um sistema de recrutamento original, via internet, através de eleições que fazem. Têm deputados europeus interessantes, nada extremistas nem nada populistas até. São gente interessante”, concede Assis, um europeísta do centro-esquerda. “Não têm um fator de agregação doutrinária, o que é perigoso”, adverte, em contraposição. 

Acerca do facto de o presidente do Parlamento Europeu, Antonio Tajani, ter sido candidato a primeiro-ministro por uma coligação que conta com os eurocéticos da Liga Norte, Assis tornou a desdramatizar. Se a coligação de centro-direita entre a Força Itália e a Liga Norte tivesse ganhado, Tajani seria primeiro-ministro apoiado por um grupo parlamentar bem longe de ser europeísta. A isto, Assis sorri.

“Sim, tudo pode tornar-se um pouco confuso. Estamos numa fase de confusões na Europa. Em Portugal também temos um primeiro-ministro profundamente europeísta – um dos mais europeístas na Europa – e tem o apoio parlamentar de dois partidos profundamente antieuropeístas”, lembra. “Faz parte deste tempo.” 

João Ferreira, por outro lado, lamenta a falta de “uma força consequente, de esquerda, progressista e capaz de aglutinar o descontentamento perante as políticas europeias” e de responder a este tempo – algo que não se conseguiu em Itália. 

A culpa do federalismo

Nuno Melo, ainda em reação à eleição italiana, deixa um apelo a que os responsáveis institucionais da União Europeia saibam interpretar estes espaços de rejeição dos povos europeus”.

“O arco democrático de governação só assim poderá prevalecer”, avisa o dirigente centrista. “Se esta rejeição não for bem interpretada pelos partidos tradicionais, que alternam no poder, será causada uma reação nas urnas a favor destes partidos mais exóticos e radicais”, que triunfaram em Itália no fim de semana passado. “Se esse arco de governação se concentrar naquilo que é contrário à vontade das pessoas que o elegem, o futuro da Europa, a prazo, dá que pensar…”, repete, advertindo. 

“A rejeição da constituição europeia na década passada, a ascensão de radicalismos e extremismos nesta, e a vitória de partidos eurocéticos em Itália – o Movimento 5 Estrelas e a Liga Norte já representam mais de 50% dos votos – são sinais.” E Nuno Melo preocupa-se que não sejam devidamente tomados em atenção.