Da dívida da Madeira à dívida do Estado

Saber que a dívida pública desceu para 125,6% do PIB é muito animador. Mas fica descoroçoante percecionar que, em valores absolutos, a dívida cresceu cerca de 2 mil milhões de euros.

Vou com frequência à Madeira. Gosto da ilha e assisti com admiração à enorme ‘revolução’ que Alberto João Jardim liderou. As autoestradas, o aeroporto, o desenvolvimento económico decorrente das infraestruturas, de tudo isso fui testemunha nessas viagens sucessivas. Concorde-se ou discorde-se do indivíduo, ao político tem de se tirar o chapéu.
Como ninguém é eterno, a sucessão chegou. Miguel Albuquerque sucedeu a Alberto João, tendo uma pesada herança, sobretudo decorrente da espontaneidade comunicativa do antecessor. E assim tem visto a sua presidência do Governo bem contestada. 

Paulo Cafofo ganhou a Câmara do Funchal e, quem estivesse atento, percebia de imediato que este era apenas um degrau na ambição de suceder a Albuquerque. As sondagens cimentavam essa esperança e amigos madeirenses diziam-me que iria ser ‘tiro e queda’.

Eis se não quando António Costa decide ajudar Albuquerque – e pronuncia-se sobre o agravamento do défice da Região, tema que faz espoletar o regionalismo madeirense! Mas será que Costa não gosta de Cafofo? Por que foi nesta altura acordar o sentimento intercontinental perfeitamente adormecido? Será jogada estudada, sabendo que tinha de dizer algo sobre o tema e achando que, como ainda há muita maré para navegar, as pessoas esquecerão? 

Para já, a contestação foi imediata aos valores apresentados – e apenas a 26 de março se conhecerão os valores reais. E ficou o mote para Albuquerque bramar contra o ‘colonialismo’.

Todos os miúdos querem ser craques na bola. Se não puderem ser Ronaldos, pelo menos que sejam novos Figos, Ruis Costas ou Humbertos. Todos almejam, mas raros conseguem sair deste canto. E aqueles que estão a sair do país muito jovens têm um problema pela frente: imporem-se em meios radicalmente diferentes, em sociedades exigentes, onde os erros se pagam com língua de palmo. 

Claro que me refiro a Rúben Semedo, mais vítima que réu, dada a óbvia impreparação para um sucesso. Sob o lema da ‘máxima liberdade, máxima responsabilidade’, foi deixado muito só. Vítima de calote, habituado a ‘vida de bairro’, os seus amigos do bairro acharam que o caminho certo seria a justiça pelas próprias mãos. Com a carreira hoje arruinada, quem lhe pode acorrer? Os seus colegas, sem dúvida, mas de forma inteligente, nunca idiota – como a atitude de Gelson Martins que, além de prejudicar o clube que lhe paga, ficou com um anátema que só o tempo irá apagar. Um tema triste a seguir com atenção, como exemplo para outros jovens candidatos a estrelas.

Sempre gostei de boas notícias. Saber que o PIB cresceu cerca de 2,7% em 2017 é ótimo para a nossa economia. Saber que a dívida pública desceu para 125,6% do PIB é muito animador. Mas fica descoroçoante percecionar que, em valores absolutos, a dívida terá crescido cerca de 2 mil milhões euros, pelo que esta diminuição resulta do crescimento do PIB. Ou seja, a pressão dos gastos públicos não consegue infletir a dívida em valores reais. 

Se a isto adicionarmos as dívidas do setor da Saúde, com atrasos de pagamentos muitas vezes acima de um ano, asfixiando financeiramente as empresas fornecedoras do Estado, percebemos quão iludidos andamos todos a foliar e a empurrar os problemas da dívida com a barriga. Com juros em risco de aumentar a curto prazo, este gastar por aumento do endividamento nada augura de bom. Mas já se ouvem estralejar os foguetes, enquanto esperamos que a conta chegue daqui a uns tempos.

P.S. 1 – Uns elogios devidos a quem muito merece: Eduardo Barroso, meu querido amigo há bem mais de 50 anos, por estar a chegar aos 70 anos e deixar uma obra feita no Hospital Curry Cabral, em que se destacam mais de 2 mil transplantes de fígado ou pâncreas. Muitas famílias muito lhe devem. E a notável entrevista, humana e profissional, que há semanas deu a este jornal, apenas corrobora a grandeza do HOMEM.

P.S. 2 – Conheci Açucena Veloso, a ‘Senhora Peixeira’ do Mercado 31 de Janeiro, junto ao Saldanha. Trabalhei cerca de 14 anos por aquelas bandas e ia aí muitas vezes a um bom restaurante comer peixe. Passava invariavelmente por ela e, certa vez, estando eu a apreciar a qualidade da sua banca, com peixe sensacional à vista, meteu conversa comigo. Simpatia inexcedível, boa conversadora, sempre a gostar de agradar – mesmo sem eu lhe comprar nada. Fiquei surpreendido com a sua morte, e acho justas todas as homenagens que lhe fizerem no Mercado. Uma mulher do povo, uma Senhora no falar!