Costa da Caparica. 100 pessoas em risco de despejo por fundo de investimento

Os moradores começaram a receber cartas a dizer que as suas casas tinham sido compradas a partir de setembro. A maioria vive lá há cerca de 40 anos e não tem para onde ir 

As casas têm mais de 60 anos e estão localizadas perto do mar. A maioria delas situam-se na Rua Catarina Eufémia, na Costa da Caparica. Moram nestas 28 casas de piso térreo cerca de 100 pessoas, cerca de 20 famílias, muitas delas a viver aqui há mais de 40 anos.

O sr. Francisco Santos, 70 anos, conhecido por Chico, é pescador e natural da Costa da Caparica. Quando o tempo deixa, vai ao mar; em dias de tempestade, não trabalha e não recebe. “Temos de aprender a poupar quando ganhamos, para os dias em que não trabalhamos. Ao contrário dos agricultores, nós não somos indemnizados em dias de tempestade”, diz, enquanto comenta que não esperava ter de se preocupar onde ia morar com os seus mais de 70 anos. “Nesta idade, mesmo trabalhando, a gente quer segurança. Agora com esta idade pensava que estava descansado da vida e surge-me um problema: será que é com 70 anos que vou ser obrigado a deixar a minha terra, onde eu nasci e os meus pais e os meus avós viveram? A casa onde nasceram os meus filhos? É lamentável.”

Recebeu uma carta, como toda a gente. Foi ver um advogado para si e para os outros moradores de bairro. Propôs exercer o seu direito de preferência e comprar a casa onde vive. Qual a sua surpresa quando a advogada dos compradores respondeu por carta que não lhe davam o direito de preferência, tinha de ser uma compra coletiva. 

Os compradores sabiam que as 20 famílias e cerca de 100 pessoas que vivem nestas casinhas na Costa da Caparica são gente envelhecida. Não contaram era que fossem gente combativa, como o senhor Chico que vive na rua com o nome da ceifeira assassinada pela GNR em Baleizão, há 43 anos. As casas que têm e que foram cuidando e melhorando sozinhos ao longo de mais de 40 anos foram conquistadas com luta e trabalho. Não vão perdê-las sem fazer nada. Por isso organizaram uma comissão de moradores para defenderem as suas casas.

A D. Fernanda Valério, “como a cantora”, diz, tem cerca de 80 anos e continua a trabalhar num restaurante. “Sou viúva, o meu marido não me deixou nada, só posso viver se trabalhar”, revela-nos, com sentido de humor. 

Ela e uma vizinha falaram com os representantes do fundo de investimento com sede em Londres e Munique antes do resto dos moradores. À vizinha, como tinha algumas rendas em atraso, à semelhança de alguns dos habitantes mais carenciados do bairro, disseram-lhe que lhe perdoavam a maior parte da dívida se abandonasse a casa em três meses. À D. Fernanda ofereceram-lhe 40 mil euros para ir embora. Mas o dinheiro não quebra a mulher. “Eu quero a minha casa, um sítio para habitar, não quero dinheiro. Onde é que eu ia viver a esta altura?”, nota.

No café está também José Murça. A mãe habita neste bairro há 43 anos e também recebeu uma carta a comunicar que deve abandonar a casa. 

Quando a Mútua dos Bacalhoeiros as construíram, destinavam–se a casas de férias. Depois do 25 de Abril, na sequência das lutas por habitação da população local, as casas passaram a ser habitadas permanentemente. Hoje têm uma população envelhecida, muitos reformados, mas muitos ainda trabalham para juntar um magro pecúlio para poderem sobreviver. 

A propriedade das casas, essa foi passando de seguradora em seguradora: da Mútua dos Bacalhoeiros foram compradas pela Companhia de Seguros Atlântida, depois passaram para as mãos da Seguradora Açoriana, do grupo Banif, e finalmente foram parar às mãos dos Seguros Reunidos, numa transumância de títulos de propriedade das casas que nos é narrada entre cafés, num estabelecimento na esquina da Rua Catarina Eufémia. 

Com a crise financeira, as empresas seguradoras foram sendo vendidas, muitas delas a capitais estrangeiros [ver artigo secundário], e todos eles começaram a desfazer-se de ativos que não tinham que ver com o seu core business. Dentro desses ativos, os imobiliários, dada a especulação e o aumento de preço devido ao turismo, são um negócio apetecível. 

Sem que nada fizesse imaginar, um fundo de investimento, Acacia Point Capital Advisors, com escritórios em Londres, Munique e Lisboa, garante ter comprado as habitações ao anterior senhorio, Seguradores Reunidos, por cerca de 1,15 milhões de euros. 

A compra foi aparentemente mediada por uma empresa de fachada, a Quadrantábilis, com 1000 euros de capital social, e posteriormente pela MKV Landsbergerstrasse Limited, que tem como sócio-gerente Matthew Walker, o mesmo que é manager director da Acacia Point Capital Advisors, que anuncia a compra de 28 casas com 8200 metros quadrados “perto de uma das mais populares praias para a prática de surf, situada a 20 minutos de Lisboa”.

A partir de setembro, os moradores começaram a receber cartas para serem despejados. Os habitantes contestaram essas cartas. Apesar de haver muitas famílias sem recursos, pretendem invocar o seu direito de preferência às casas e arranjaram um advogado para os defender. 

O fundo australiano afirmou que eles não tinham o direito individual de preferência, só o podiam fazer coletivamente, para assim inviabilizar o exercício deste direito pelos moradores. 

No dia 29 de dezembro de 2017, a Acacia Point Capital Advisors revelou que no local das habitações pretende construir um empreendimento turístico – isto apesar de o PDM limitar a construção local a um máximo de dois pisos, tendo o segundo de ser recuado. 

Pelas mãos do deputado municipal do Bloco de Esquerda Carlos Guedes, este partido informou a autarquia da situação. “Não compreendemos a passividade do executivo PS/PSD e da Câmara Municipal de Almada em relação a esta situação”, escreveu o BE de Almada em comunicado, adiantando que se torna “cada vez mais evidente a premência da revogação do Regime de Arrendamento Urbano, aprovado e imposto pela mão de Assunção Cristas e do CDS durante os quatro anos do governo de Passos Coelho.”

Por sua vez, a presidência da Câmara de Almada, contactada pelo i, afirma conhecer o problema e que ajudará os moradores na medida do possível, procurando garantir os seus direitos, nomeadamente à habitação. A autarquia lembra que, não querendo substituir-se ao mercado, qualquer nova utilização e projeto para a zona tem de respeitar a regulamentação da Câmara de Almada e respeitar os imperativos legais. “A câmara está a acompanhar, mas não foi ainda contactada pelo promotor. Aquela zona está abrangida pelo art.o 47 do Regulamento Urbanístico do Município de Almada (RUMA), que diz que ‘apenas e através de estudos de conjunto previamente determinados e aprovados pela Câmara Municipal se admite a possibilidade de novos edifícios, incluindo por substituição ou ampliação dos existentes’.”