‘A minha vida académica nunca dependeu de Berkeley’

Não foi à Califórnia por questões ‘financeiras e familiares’ e não responde ao desmentido da universidade americana por ‘desconhecer os procedimentos’. Barreiras retificará o seu C.V.

Já esteve em Berkeley, na Califórnia?

Não, nunca estive presencialmente na Califórnia, em Berkeley.

Mas defende estar inscrito como ‘visiting scholar’ na universidade de Berkeley.

Exato. Eu… fui convidado. Não me ofereci, como se costuma dizer. Fui convidado por Manuel Pinto de Abreu, que na altura estava a fazer trabalhos de investigação e a coordenar projetos de investigação com a FLAD [Fundação Luso-Americana] e também com Berkeley. Sabendo que eu tinha um projeto de investigação associado às políticas públicas e ao Direito de imigração, um dia falou-me se eu não estaria disponível para fazer uma temporada curta em Berkeley, porque existia um Centro de Estudos Portugueses que gostava muito de estreitar a investigação entre Portugal e os Estados Unidos. Eu pedi para ele me explicar em que termos funcionava e ele explicou-me. A partir daí, fiz a apresentação formal do projeto de pesquisa. Apresentou-me Deolinda Adão, reuni com ela pessoalmente como responsável por esse departamento. Ela aprovou o projeto de pesquisa. A partir de 2009, depois disso, eu apresento, em espírito de boa-fé, um pedido de parecer à Assembleia da República para saber se o estatuto de ‘visiting scholar’ – à distância, mas com uma estadia mínima de 40 dias – seria compatível com o exercício de funções parlamentares.

Ficou acordado que o trabalho de investigação seria feito à distância?

Sim, mais à distância.

Mas juntamente com a necessidade de estadia…

Teria que, nos anos subsequentes, fazer essa visita.

Que não chegou a fazer…

Que não cheguei a fazer e que explicarei porque não fiz. A Comissão de Ética pronunciou-se e aprovou por unanimidade o parecer. Em 2009, eu tentei ir logo a Berkeley, no verão. Na altura, quer Pinto de Abreu quer Deolinda Adão disseram que o programa para esse ano já estava sem vagas. Tentei planear tudo para 2010 e não fui porque Pedro Passos Coelho me convidou para seu chefe de gabinete. Recordo-me como se fosse hoje, que andava à hora de almoço a ver as livrarias Barata e Bertrand na Avenida de Roma, quando recebi o seu telefonema. Recordo-me inclusivamente de, com a ajuda de Pinto de Abreu – doutorado na Califórnia e com dois filhos lá nascidos –, chegarmos a estudar o campus de Berkeley, para onde eu iria com a minha mulher e com os meus filhos. Entretanto, fui para chefe de gabinete de Pedro Passos Coelho, continuei a dar aulas em simultâneo e a fazer investigação que partilhava com o Manuel Pinto de Abreu. Depois, o PSD ganha as eleições e fui também convidado para ir para o Governo. Quando saí do Governo, continuei a fazer investigação e não lhe escondo que, em 2014, fiz contas. Do ponto de vista financeiro, já com filhos mais crescidos que implicam outro tipo de responsabilidades, conclui que não teria condições para estar 40 dias em Berkeley. Foi sempre uma relação de continuar a investigação e tenho vários papers de Direito e de Ciência Política que assim atestam. Fui sempre informado pelo Professor Manuel Pinto de Abreu que cada vez que Deolinda Adão falava com ele – ou lá, ou cá – lhe dizia: ‘Quando é que o Feliciano Barreiras Duarte vem, para o termos no campus a fazer conferências?’. Se me perguntar se pensei sempre em fazer estes 40 dias, como é obvio que tenho estado sempre à espera da melhor oportunidade.

E ainda pensa fazer os 40 dias em Berkeley?

Ainda penso fazer esses 40 dias.

Mas segundo os estatutos de Berkeley – e segundo o próprio Manuel Pinto de Abreu – essa estadia é necessária para ter o estatuto de ‘visiting scholar’, com que o Feliciano se apresenta.

Percebo a pergunta e é uma pergunta correta nessa apreciação. Só depois de agora ser confrontado é que fui fazer a minha averiguação. Tive oportunidade, nas últimas semanas, de o fazer. Todo este percurso que fiz com ligação aos Estados Unidos, com Berkeley, – eu, que antes nem conhecia a existência deste tipo de programas, confesso-lhe – foi sempre visto por mim como um complemento aos meus estudos em Portugal. Nunca esteve na minha cabeça a possibilidade de me envolver em exclusivo com uma universidade estrangeira e tão longe de Portugal. Do ponto de vista familiar e financeiro, não teria condições para o efeito. Entendi sempre Berkeley como um foco de investigação em paralelo. Os meus alunos sabem que o meu foco foi sempre Portugal. Pode dizer-me que por não ter lá estado os 40 dias que este estatuto não existiu. Então, terei de arranjar condições para que isso aconteça. A minha postura, modéstia à parte, é que para fazer as investigações que tenho feito não preciso daquilo, nem em termos de grau. Quando aceitei o convite para ser ‘visiting scholar’ de Berkeley não estava à procura de nenhum grau. Esses eu tenho: de licenciado e de mestre. E, se Deus quiser, espero que em 2018 possa vir a defender a minha tese de doutoramento em Portugal. Posso-lhe, inclusivamente dizer que fui convidado para proferir uma palestra na universidade Sorbonne sobre a mobilidade económico, social e cultural no espaço da CPLP.

Admitindo que o estatuto não está concretizado, admite retificar os casos em que se apresentou como ‘visiting scholar’?

Admito perfeitamente. A minha boa-fé é total e com o muito respeito que essa universidade merece, que é uma instituição de prestígio, a minha vida de investigação e académica nunca dependeu da universidade de Berkeley nem dependerá no futuro.

Então as obras em que se apresenta como ‘visiting scholar’

… nunca mais colocarei essas referências. No futuro, quando consolidar tudo isso, se calhar vou ter que fazê-lo só numa circunstância em que tenha um certificado como tive de início.

No site do PSD, foi apresentado como secretário-geral e professor visitante em Berkeley. Sabia disso?

Não, não sabia disso e já percebi de onde isso partiu. Pelos vistos, no fim de semana do último congresso do PSD, algum colega seu, com a melhor das intenções, quando se referiu a mim, escreveu que eu era já doutorado e pela universidade de Berkeley e que era lá professor visitante. Pelos vistos, os serviços do meu partido, também com a melhor das intenções, quando fizeram uma súmula curricular, elevaram-me à condição de doutorado e professor visitante. Uma semana depois, fui chamado à atenção disso e já foi alterado. Não tenho qualquer problema em assumir que a minha relação com esta universidade americana, do ponto de vista prático, poderá consubstanciar-se numa ‘união de facto’ e não num casamento com aliança e cerimónia.

Os ‘papers’ que nos forneceu foram enviados diretamente de Feliciano para Deolinda Adão ou de uma assistente de Feliciano para uma assistente da professora Deolinda Adão? Qual era processo de troca dos trabalhos de investigação?

Muitos deles eram para Pinto de Abreu, aliás discutíamo-los durante horas. Enviava-lhe por email e muitas vezes em mão. Outras vezes, enviei para Deolinda Adão.

Sem querer entrar aqui numa situação constrangedora, Deolinda Adão diz-nos que não tem qualquer registo seu no seu arquivo de correio eletrónico.

Tenho exemplos de uma pessoa que em nome dela me enviou a aprovação do projeto de investigação.

Manuel Pinto de Abreu era intermediário dos ‘papers’ trocados entre e Feliciano e a Deolinda Adão?

Eu sei que muitas vezes ele ia aos Estados Unidos e lhe fazia o ponto de situação.

Manuel Pinto de Abreu, com quem falámos depois de Feliciano o evocar, diz-nos que não teve esse papel de ‘intermediário’. E sobre o facto de a universidade de Berkeley em si não ter qualquer registo seu desde o ano do seu nascimento?

Eu fiz os trabalhos e os trabalhos existem, portanto essa é uma questão a que não posso responder. Não estou lá e não conheço os procedimentos burocráticos. Felizmente, tenho na minha posse todos esses trabalhos e tenho encontrado alguma troca de correspondência. Fiz dezenas de conferências em fundações e universidades sobre o fenómeno das migrações.

Sobre a carta que nos forneceu como ‘certificado’, tanto a universidade de Berkeley como a professora Deolinda Adão desmentem a sua autenticidade. Berkeley afirma que não passa certificados numa língua que não o inglês. Deolinda Adão acusa-o de falsificar a sua assinatura. Como reage?

Então, porque é que me enviou aquilo? Se eu não fui aos Estados Unidos, como é que eu iria emitir a carta?

Estou a perguntar-lhe a si.

A carta está lá como vinda dos Estados Unidos, mostrei-lhe o original do envelope. Isso deixa-me estupefacto. Aquilo existiu, como existiu à troca de correspondência.

Mas sobre a vontade de Deolinda Adão declarar em tribunal que o documento por si apresentado é uma ‘falsificação’, o que diz?

Façam a perícia à assinatura dela.

A professora diz que é a assinatura dela, mas que nunca escreveu o documento por si apresentado. A própria universidade diz que o ‘certificado’ não é válido.

Então, como poderia ter vindo de lá? Se eu não fui ao Estados Unidos, como é que eu poderia ter arranjado aquilo?

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