As cortesias e os silêncios…

Ao abdicar de uma oposição com músculo, Rio desilude prematuramente os portugueses  

O último dia de Pedro Passos Coelho no hemiciclo de S. Bento foi digno de registo pelo desfile de cortesias, de António Costa a Ferro Rodrigues. 
Quem seguisse desprevenido o debate quinzenal poderia (erradamente) concluir que os ‘mimos’ dirigidos ao antigo primeiro-ministro corresponderiam a uma prática comum no Parlamento. Nada disso. Assistiu-se, isso sim, a um magnífico exercício de cinismo político, que ameaça tornar-se ‘normal’ na vida democrática portuguesa.
Passos Coelho renunciou ao lugar de deputado e teve nas despedidas os elogios de circunstância daqueles que sentiram alívio em vê-lo pelas costas. Todavia, com a sua partida, os partidos da ‘geringonça’ perderam também o ‘bombo de festa’, muito útil para exorcizar os seus demónios. Mas depressa atiçaram os serviçais do costume para lhe darem ‘forte e feio’ nos media, pelo seu ‘desplante’ de ir dar aulas numa universidade pública.  

Recorde-se que a metáfora do «diabo à porta», na qual Passos Coelho escorregou no Verão passado, serviu à maravilha para o PS, PCP e Bloco o desancarem, enquanto faziam e fazem vista grossa às aselhices e derrapagens do Governo.
A frente de esquerda especializou-se no encobrimento, pelo silêncio, desde os efeitos dramáticos dos incêndios florestais sobre muitas famílias nas regiões afetadas, até à degradação dos serviços públicos, com a Saúde à cabeça, por causa das cativações cegas.
Chegou-se ao ponto de sabermos da demissão de três responsáveis de Medicina do Hospital de Faro por não aceitarem a orientação do diretor clínico daquele centro hospitalar, defensor  do corte  nos exames de diagnóstico «a doentes com  idades avançadas».  É outra forma de chegar à eutanásia…

Tivesse isto acontecido com o Governo anterior e a gritaria na rua, do PS, ao PCP e ao Bloco, seria imediata. Com os comunistas na órbita do poder, não se notou o menor estremecimento.  
Assunção Cristas foi a exceção ao silêncio comprometido e decidiu no debate parlamentar questionar o primeiro-ministro sobre o aumento da dívida da Saúde, enquanto pioraram os cuidados prestados, com «cirurgias canceladas ou adiadas».
Segundo Cristas, a realidade é que, apesar de o valor da dívida ter subido, «a percentagem do PIB gasta em Saúde desceu», deteriorando-se a qualidade hospitalar. 
Um tema que passou ao lado de Rui Rio, mais empenhado em simular oposição, ao dar luz verde a uma iniciativa potestativa de Fernando Negrão no Parlamento para debater a economia e o emprego, terrenos onde sopram ventos favoráveis ao Governo. 
Ao abdicar de uma oposição com músculo, que as circunstâncias exigiriam, Rio evita o confronto mas arrisca-se a desiludir prematuramente os portugueses.   

Com a cantiga do ‘diálogo’, que foi a bandeira de Guterres a caminho do pântano, Rio dedilha a música celestial que Costa gosta de ouvir. 
Passos Coelho, a quem colaram a etiqueta ‘neoliberal’ como se fosse peste, soube defender as suas convicções, às vezes contra tudo e todos, e conduzir o país a uma saída limpa do programa de resgate financeiro, conseguindo, ainda, a proeza de ganhar as eleições – quando muitos, dentro e fora do Governo e do PSD, as julgavam perdidas. 
Com ele em primeiro-ministro – convirá ainda dizê-lo -, o MP e as polícias puderam desenvolver o seu trabalho e porem a descoberto as teias onde se moviam Sócrates, Ricardo Salgado ou Rangel, entre tantos outros que se julgavam intocáveis. Não foi pouco. 
Talvez por isso, o eleitorado deu-lhe a vitória nas legislativas, embora as sondagens teimassem em derrotá-lo. 
Teve esse inquestionável mérito, além do sentido de Estado revelado em momentos cruciais, como foi o episódio da «decisão irrevogável» de Paulo Portas, forçado a dar ‘o dito por não dito’ e a não deixar o Executivo.
Compreendem-se, por isso, os rancores que tem vindo a suscitar entre os oligarcas, que nunca imaginaram, mesmo nos seus piores pesadelos, perderem a capacidade de serem ‘donos disto tudo’. 

Com a mudança de ciclo político, reapareceram personagens como Pinto Monteiro, o antigo PGR, a bater na tecla das violações do segredo de Justiça, relativizando o facto de almoçar com Sócrates para tratar de «frivolidades», enquanto mandava destruir as suas escutas e assistia depois, na primeira fila, ao lançamento de um dos livros que o ex-primeiro-ministro assinou. 
Perante tão deplorável entrevista, que incluiu referências explícitas a telefonemas de Rui Rio – «muito preocupado» com as fugas de informação -, pode compreender-se melhor a reserva de Paula Teixeira da Cruz, que promete estar contra qualquer tentativa de «funcionalização ou diminuição da autonomia do MP». 
Há um coro de aflitos a rezar por uma nova e protetora ‘União Nacional’…