André Gomes. A estranheza de ser apenas mais um caso

Chegam ao topo das carreiras, mas mais tarde descobre-se que o sonho é, afinal, um pesadelo. O “inferno” do médio está muito longe de ser caso único. Que o digam Fábio Coentrão, Renato Sanches ou João Mário

Para quem está de fora parece difícil, até impossível, de entender. Como podem, afinal, jovens jogadores, muitos deles nos colossos europeus, atravessar fases menos boas, chegando mesmo a apresentar sintomas associados à depressão? Vem este parágrafo a propósito, como o leitor já entendeu, da entrevista concedida pelo médio português André Gomes à revista espanhola “Panenka”. Contou o futebolista, que se encontra desde julho de 2016 no Barcelona, que está a atravessar um período negro da sua carreira. Àquela publicação, o médio desvendou os motivos pelos quais a sua estadia nos blaugrana está longe de ser um mar de rosas. “Não me sinto bem em campo, não estou a desfrutar. Talvez a palavra não seja a mais correta, mas tornou-se um pouco um inferno, porque comecei a ter mais pressão. Convivo bem com a pressão, não convivo bem é com a pressão em mim mesmo”, disse, adiantando que, embora se sinta bem nos treinos, junto dos colegas de quem garantiu ter total apoio, a “sensação que tem nos jogos é má”. 
A pressão que impõe sobre si mesmo é, na perspetiva do jogador, uma das razões que mais o têm atormentado. De tal modo que confessou que chega a não querer sair de casa “por sentir vergonha”. “Já me aconteceu, em mais do que uma ocasião, não querer sair de casa porque as pessoas podem olhar-me de lado. Ter medo de sair de casa por sentir vergonha.” “Incomoda-me que me digam que consigo fazer as coisas bem porque me pergunto a mim mesmo: ‘Então, porque não as faço?’”, questiona-se em declarações à “Panenka”. Contas feitas, na presente temporada, o internacional português que se sagrou campeão europeu em 2016 soma apenas 988 minutos em 25 jogos disputados entre campeonato, Taça de Espanha, Supertaça e Liga dos Campeões.
A outra parte da história já se sabe: desde o primeiro jogo com a camisola do emblema catalão que o ex-Benfica tem sido alvo de duras críticas por parte da imprensa espanhola, além dos constantes assobios a que tem sempre direito, vindos dos seus próprios adeptos. Um dos exemplos mais recentes que comprova precisamente o cerco apertado em que o português vive aconteceu no encontro entre o Atlético de Madrid e o Barcelona no domingo 4 de março. Nem a vitória blaugrana levou a que a imprensa poupasse… o atleta luso, que havia entrado para render o lesionado Iniesta ainda na primeira metade. “André Gomes não é jogador para o Barcelona. Ernesto Valverde não partilha dessa opinião e continua a dar-lhe oportunidades que o português não conquista em campo”, escrevia o desportivo espanhol “Marca”. “Ver que André Gomes ocupa o lugar de Iniesta em campo é como planear umas férias na Nova Zelândia e, no final, acabar no mesmo sítio. Pode correr bem, mas não há dúvida de que não é o mesmo”, continuava no mesmo tom agressivo o diário do país vizinho.
Recorde-se que André Gomes, que passou pela formação do FC Porto e do Boavista, chegou ao Benfica para integrar os sub-19. Estreou-se na equipa principal dos encarnados em 2012 e, três anos depois, o Valência pagou 20 milhões de euros pelo médio. Foi nessa altura que o Barcelona piscou o olho ao português, tendo desembolsado por ele, em julho de 2016, 35 milhões de euros. 

Longe de ser caso raro Como já foi inicialmente referido neste texto, encontrar casos semelhantes ao de André Gomes deveria ser, supostamente, uma tarefa árdua. São ao fim e ao cabo, pensamos nós, pessoas super-realizadas: fazem o que gostam, recebem por isso e levam, se assim o desejarem, uma vida de luxo que não é possível se olharmos para o cidadão comum. Certo? Errado. 

Só nos últimos tempos são inúmeros os exemplos de jogadores que, de alguma forma, quando sobem para um outro patamar, ou até atingem o topo da montanha, deixam de se sentir concretizados. Nos últimos anos, só no plano nacional, temos o caso de Renato Sanches, Fábio Coentrão ou João Mário. 

O primeiro foi, recorde-se, comprado pelo Bayern às águias da Luz em 2016, por 35 milhões de euros, quando tinha apenas 18 anos. Tida como uma das promessas principais do futebol português, o médio alinhou na época 2016/17 em apenas 25 jogos, no total de 905 minutos, divididos entre a Liga dos Campeões, a Bundesliga e a Taça alemã. Figurou nas principais listas elaboradas pela imprensa nacional desportiva pelas piores razões, tendo sido considerado um dos maiores flops daquele mercado de transferências. Em agosto do último ano acabou por rumar ao Swansea, da Premier League, com o objetivo de recuperar o vigor mas, ainda assim, o inferno não passou. Analisando-o desde cedo à lupa, a imprensa inglesa continuou sem perdoar o jovem de 20 anos. Todavia, o internacional português continua a ser peça fundamental nos cisnes e indispensável para Carvalhal, técnico luso que assumiu o comando do emblema inglês em dezembro de 2017. De momento, o médio está a atravessar uma lesão, tendo inclusivamente pedido autorização para fazer parte da recuperação em Portugal – um pedido correspondido por parte do seu compatriota, que revelou que conta com o regresso do jovem campeão da Europa ao plantel ainda este mês. 

Tal como Sanches, também Fábio Coentrão entra no lote. Em 2011 chegou ao clube que todos os jovens jogadores querem integrar, o Real Madrid, mas acabaria por mostrar desejo de sair. Em abril de 2017, o lateral revelou que não reunia as condições necessárias para continuar a representar os merengues, confissão que levou a uma declaração curiosa do seu então treinador francês Zidane. “De vez em quando dói-lhe algo, não sei se é mental ou outra coisa”, afirmou. A verdade é que, com cada vez menos espaço no atual campeão de Espanha, saiu meses depois, em julho, altura em que foi anunciado no Sporting. Há dias, o lateral de 29 anos deu uma entrevista ao “Marca” em que revelou que quer terminar a carreira nos leões, sítio onde reencontrou a felicidade que havia perdido nos blancos. “Estar sempre a treinar, sabendo que não vais jogar, porque estava lá o Marcelo… É normal isso acontecer, mas deixas-te ir um pouco abaixo e foi isso que me aconteceu no Real Madrid. Mas se pudesse voltar atrás mudava muitas coisas”, acrescentou.
Por último, João Mário. Chegou a Milão em 2016, após o Inter ter desembolsado 40 milhões de euros pelo jogador de Alvalade, mas o médio não ficaria em solo italiano mais de um ano e meio. Durante esse tempo, o português foi arrasado em várias ocasiões. “O que João Mário tem vindo a fazer é simplesmente embaraçoso. O que vi é algo que não quero voltar a ver, muito menos num jogador que vista a camisola do Inter”, afirmou Giuseppe Bergomi, lenda viva dos nerazzurri, depois de um encontro com a Fiorentina. Por sua vez, em dezembro, cerca de um mês antes da saída do ex-leão para o West Ham, onde está atualmente, Luigi Simoni, ex-treinador do Inter, havia partilhado: “Vejo-o com medo, a errar passes fáceis. Gostei de o ver no Europeu de 2016, agora parece outro jogador. [Penso que o Inter] deve vendê-lo e comprar um outro jogador.” Dito e feito. Desde finais de janeiro nos hammers, João Mário, em apenas seis jogos, conta com praticamente o mesmo número de minutos que no total dos 15 jogos a que foi chamado nas várias provas transalpinas.