«E depois do adeus, adeus»

Ao remeter para a canção com que Paulo de Carvalho venceu o Festival da Canção em 1974, e que foi usada como a primeira senha do 25 de Abril, a frase «E depois do adeus, adeus», pintada em Alcântara, não deixa de procurar em nós ecos daquilo que a canção diz e também o que…

Ao remeter para a canção com que Paulo de Carvalho venceu o Festival da Canção em 1974, e que foi usada como a primeira senha do 25 de Abril, a frase «E depois do adeus, adeus», pintada em Alcântara, não deixa de procurar em nós ecos daquilo que a canção diz e também o que evoca.

E transmite-nos, ainda, uma sensação de termo, de finitude, porque, depois do adeus, só fica esse adeus, não resta nada mais. Nada há a esperar, a desejar, a pretender. Como pergunta num poema Manuel António Pina, no vazio é impossível definir fronteiras: «Agora que os deuses partiram, / e estamos, se possível, ainda mais sós, / sem forma e vazios, inocentes de nós, / como diremos ainda margens e diremos rios?».

Depois de nos vermos forçados a dizer adeus a algo ou a alguém, ele/a deixa de existir. Na vida, não há lugar a mais, mesmo que, em nós, ainda ecoe a sua memória e viva a sua saudade. Mesmo que o nosso desejo seja o de que nada tivesse acabado, de que tudo permanecesse igual, como se não tivesse havido fim para aquela situação, para aquela relação, porque, como diz O’Neill, «a dor dói como um soco». Mesmo que, para nós, fosse preferível que nada tivesse mudado, que o nosso mundo não fosse agora outro, onde temos de nos encontrar a nós próprios, e onde temos de procurar novos outros, com quem estabelecer laços de proximidade.

Muitas vezes encaramos os sobressaltos, as mudanças, os ritmos diferentes como algo negativo que afeta a vida de uma forma que nunca é positiva. Mas, se adotarmos uma perspetiva diferente, veremos que há muitas mudanças que transformam a vida em algo muito melhor, que nos dão esperança de dias melhores, dias em que poderemos efetivamente ser felizes, sem nos preocuparmos com o que dizem os outros ou com o que pensam das nossas ações. Ser livre é, no fundo, podermos ser nós mesmos sem medo de críticas nem de olhares de soslaio. Sermos livres é conseguirmos ser quem queremos ser, quem gostaríamos de ser. Mas, como diz Tolentino Mendonça, o que se passa é que «Resmungamos com a vida. Falta-lhe alguma coisa, nunca nada é perfeito, nada está acabado ou resolvido.» Daí o nosso sentimento de constante insatisfação.

Também Afonso Cruz se debruça sobre esta nossa dificuldade e afirma que: «Toda a nossa vida exige um labirinto entre aquilo que somos e aquilo que mais desejamos». E acrescenta que «Se o labirinto à nossa frente não for suficientemente estimulante, faremos com que o seja radicalizando as dificuldades». Somos nós que temos necessidade de complicar, de radicalizar as dificuldades.

Mas, conclui Tolentino Mendonça: «Cada um de nós tem tudo o que precisa para experimentar a alegria. Não é um problema de conhecimento, é uma questão de olhar», uma questão de perspetiva.

E, muitas vezes, preferimos não olhar pelo lado positivo e não experimentar a alegria, pensando, antes, naquilo que os outros nos tiram, em vez de pensarmos naquilo que nos dão, atentando sobretudo nos sacrifícios que fazemos para que os outros cresçam e enriqueçam.

 

Maria Eugénia Leitão

Escrito em parceria com o blogue da Letrário, Translation Services