Quatro tiros na cabeça de Marielle Franco despertam o Brasil

A quarta vereadora mais votada do Rio de Janeiro sofreu um assassínio político. Protestava há dias contra a violência da polícia nas favelas.

Marielle Franco morreu assassinada na noite de quarta-feira de uma forma calculada, fria e minuciosa, quase no centro do Rio de Janeiro, nas ruas que há cerca de um mês são ocupadas por militares e polícias brasileiros enviados pelo governo para reduzirem a criminalidade.

A vereadora brasileira, a alguns meses de fazer 39 anos, negra, nascida nas favelas, em plena ascensão política e há muito no terreno do combate à violência policial que atinge os bairros mais pobres da cidade, foi alvo – e só os excessivamente prudentes o contradizem – de um homicídio político.

A polícia investiga o caso por esse prisma. O seu partido, o PSOL, reivindica o mesmo. Os milhares de pessoas que se reuniram esta quinta-feira em frente à câmara municipal e viram passar o caixão da quarta vereadora mais votada no Rio não mostraram dúvidas – rastilho, provavelmente, para manifestações mais vastas. Várias organizações humanitárias e de ativismo político garantiam esta quinta que só com muita dificuldade se pode acreditar que Marielle Franco foi abatida a tiro com quatro tiros cirúrgicos no crânio por outro motivo que não o das suas convicções e reivindicações públicas.

Os acontecimentos de quarta-feira à noite – já madrugada em Portugal – não parecem deixar margem para dúvidas. Marielle Franco saiu de um encontro de ativistas negras, já há muito era noite, praticamente no centro do Rio. Seguia num Chevrolet Agile havia uns dez minutos quando um outro carro, de vidros fumados, como o dela, alcançou a viatura na esquina das ruas Joaquim Palhares e João Paulo i, no Bairro do Estácio.

Desse carro, que se aproximou pela direita e mirou a janela traseira onde se encontrava Marielle Franco, dois homens encapuzados dispararam oito projéteis que atravessaram o carro na diagonal, entrando pelo lugar do passageiro atrás, na direita, e saindo pelo do condutor. Marielle foi atingida quatro vezes na cabeça. Anderson Pedro Gomes, que levava a viatura, morreu com os disparos que lhe cruzaram o corpo.

A assessora, que viajava no lugar do pendura, à frente, não sofreu ferimentos e contou tudo à polícia. Nada foi roubado. O carro sem matrícula acelerou pela noite.

A polícia e as ruas partem do princípio que estão diante de um assassinato político. Não reivindicam nada de raro. O governo brasileiro ignorou no ano passado as cartas enviadas pelas Nações Unidas sobre 17 casos de homicídios de ativistas, de acordo com o “Estadão”. O PSOL garantia esta quinta-feira que Marielle Franco não recebeu recentemente ameaças de morte, mas não é preciso fabricações de maior para chegar a possíveis inimigos – principalmente na Polícia Militar.

Apenas quatro dias antes do seu homicídio, Marielle Franco foi ao Bairro de Acari manifestar-se contra a morte aparentemente injustificada de duas pessoas às mãos dos homens do 41.o Batalhão da Polícia Militar, considerado o mais letal e perigoso das forças de segurança. De acordo com os moradores de Acari, o último mês foi passado em ameaças de morte a quem ouse denunciar a violência das intervenções armadas da polícia.

As suspeitas recaem sobre as conhecidas milícias de agentes que, não raras vezes, oferecem serviços clandestinos de segurança privada nas próprias favelas que supostamente deveriam fiscalizar. Aconteceu o mesmo em 2011 com a juíza Patrícia Acioly.

“É possível que o mesmo tenha acontecido com Marielle”, escrevia esta quinta nas redes sociais o especialista em segurança pública Luiz Eduardo Soares – de acordo com a edição brasileira do “El País”, nove em cada dez peritos em segurança pública repudiam o envio de militares para o Rio de Janeiro, embora esta quinta o ministro da Justiça garantisse que nada se vai alterar.

Soares prossegue: “Quando a população vai despertar e entender que a insegurança pública começa nos segmentos corruptos e brutais das polícias, e que não podemos conviver mais com esse legado macabro da ditadura?”