Bicefalia em Angola vai continuar

Com a desculpa das autárquicas, José Eduardo dos Santos dá o dito por não dito e adia o congresso extraordinário para escolha de novo líder do MPLA. Deverá ser em 2019.

Bicefalia em Angola vai continuar

Na semana em que João Lourenço recuperou mais uma figura importante que o anterior Governo de Angola tinha deixado cair, José Eduardo dos Santos mostra que não está disposto ainda a recolher aos bastidores para gozar da reforma depois de 38 anos de poder. Ontem, na abertura da sessão ordinária do comité central do MPLA, o ex-Presidente fez saber, mediante a desculpa das eleições autárquicas, que o melhor é marcar o congresso extraordinário para escolher o seu sucessor em abril de 2019. Ou dezembro deste ano.

«Recomendo, por ser mais prudente, que a realização do congresso extraordinário do partido, que vai resolver a liderança do MPLA, seja em dezembro de 2018 ou abril de 2019», disse o líder do partido.

De acordo com o Novo Jornal, o clima no congresso não ficou o melhor depois do anúncio do presidente. Havia quem comentasse o facto de alguém que pouco ligava aos afazeres do partido quando estava no poder, se afadigar agora nas questões internas. O ex-Presidente  justificou-se dizendo que tinha prometido envolver-se no processo para as primeiras eleições autárquicas do país: «Ao nível do Secretariado do Bureau Político, prometi envolver-me pessoalmente no grupo de trabalho que vai coordenar a implementação da estratégia do partido, para preparar as condições durante o ano de 2018, para a participação com êxito nas eleições autárquicas, na data que for aprovada.»

Com o ex-Presidente como líder do MPLA, João Lourenço, que foi eleito como cabeça de lista do partido e não como Presidente, continua a ter de se subordinar, em teoria, ao que dita José Eduardo dos Santos, que é o seu líder no partido que o elegeu. E tudo indica que a liderança bicéfala se prolongará, com todas as tensões que isso possa trazer.

João Lourenço fez a sua demonstração de força esta semana ao recuperar Fernando Miala – o todo-poderoso chefe das secretas que caiu em desgraça durante o mandato de Eduardo dos Santos e esteve mesmo preso quatro anos – para dirigir os Serviços de Inteligência e Segurança do Estado (SINSE). Um homem que, como o próprio Lourenço lembrou na tomada de posse, «passou praticamente por todos os serviços de inteligência do país».

Isomar Pedro Gomes, antigo quadro dos serviços secretos angolanos, dizia à Deutsche Welle, que este regresso «é um bom indicativo de que João Lourenço pretende pôr ordem na casa» e ao Novo Jornal que se trata de uma das «estratégias do Presidente da República para combater a corrupção e travar a bicefalia que supostamente belisca» a sua governação.

Diz o antigo membro das secretas angolanas que terá sido Miala a fornecer a informação ao Presidente sobre o paradeiro das grandes fortunas colocadas por angolanos no exterior e a cujos donos João Lourenço deu 180 dias para as repatriarem ou correm o risco de as verem confiscadas pelo Estado.

«Miala foi a primeira pessoa que denunciou os desvios dos dinheiros vindos da China, no tempo de José Eduardo dos Santos», tendo nessa altura implicado «José Van-Dúnem e o general Kopelipa e outros indivíduos», garante Pedro Gomes. Teria sido essa a razão para que o general Miala tivesse sido exonerado e acusado de tentativa de golpe de Estado em 2006 e para, no ano seguinte, ter sido condenado pelo Tribunal Supremo Militar a quatro anos de prisão por insubordinação por não ter assistido à cerimónia da sua exoneração.