A culpa é de Negrão?

Sempre defendi uma oposição seletiva. A oposição pela oposição, dizendo mal de tudo, não é eficaz. Se um partido da oposição for capaz de elogiar o que é bem feito, será mais ouvido na hora de fazer críticas. E para as críticas terem efeito precisam de ser credíveis, ou seja, devem ser pertinentes, fundamentadas e…

Sempre defendi uma oposição seletiva. A oposição pela oposição, dizendo mal de tudo, não é eficaz.

Se um partido da oposição for capaz de elogiar o que é bem feito, será mais ouvido na hora de fazer críticas.

E para as críticas terem efeito precisam de ser credíveis, ou seja, devem ser pertinentes, fundamentadas e ter alguma substância. 

Criticar por criticar, atacar o Governo por dá cá aquela palha, não só é inútil como desacredita quem critica. 

É este, muitas vezes, o problema da oposição, independentemente de quem governa.

Ninguém a ouve, porque já se sabe o que vai dizer.

Raramente surpreende.

Também não me entusiasma o estilo agressivo da maior parte dos deputados, que nas suas intervenções gritam como se estivessem na Praça da Ribeira ou no Bolhão.

Uma crítica feita de forma cordata, em tom de voz normal, pode ser muito mais incisiva do que uma crítica feita aos berros.

Nunca percebi por que razão sentem os deputados a necessidade de se exaltar quando intervêm no plenário.

Além do mais, dão um péssimo exemplo à população: em vez de mostrarem que é possível as pessoas discutirem civilizadamente, urbanamente – não sendo necessário gritar para ter razão -, fazem o contrário.

Perante isto, achei injustos os ataques a Fernando Negrão pela ‘brandura’ das suas primeiras intervenções parlamentares.

A cordialidade não é um defeito, pode mesmo ser um trunfo se for bem usada.

Negrão até poderia dar início a um estilo novo, distinguindo-se dos seus pares pela moderação e a serenidade.

A questão é que, para um partido da oposição poder falar assim, precisa de se distinguir muito bem do Governo.

Precisa de ter um posicionamento próprio, que não se confunda com o do adversário.

Ora o PSD, desde que Rui Rio assumiu a liderança, em vez de se distinguir do Governo, aproximou-se dele.

Em vez de vincar bem as distâncias, sublinhou a proximidade.

E foi esse o problema: o problema não foi o tom de Negrão mas o novo posicionamento do Partido Social Democrata. 

O ‘recentramento’ do PSD, tão celebrado pelos apoiantes de Rui Rio, pôs o partido numa terra de ninguém.

O centro não permite um discurso distintivo.

Não permite um discurso forte e afirmativo.

O centro são as meias tintas, uma no cravo e outra na ferradura, e isso não provoca nenhum entusiasmo.

Por outro lado, como indicam as sondagens, o centro é hoje ocupado pelo PS, que o conquistou vindo da esquerda.

Rui Rio teria, assim, de fazer o caminho inverso: reconquistar o centro a partir da direita.

Mas não quis.

Porque não se sente de direita e porque em Portugal os partidos têm normalmente medo em assumir-se de direita. 

A exceção é – agora – Assunção Cristas, que no Congresso do último fim de semana disse repetidamente que «o CDS quer ser o grande partido do centro e da direita» portuguesa. 

Assunção Cristas fez o discurso que Rui Rio devia ter feito.

Posicionou-se onde Rio se devia ter posicionado.

Claro que corre riscos: pode estar a dar um passo maior do que a perna.

Mas um líder tem de ser ambicioso, definir objetivos, ter um discurso claro e afirmativo.

Quem quer desalojar o Governo não pode, como Rio fez, propor acordos e negociações com o Governo.

Tem de se afirmar como alternativa, colocando-se de um lado e empurrando o Governo para o outro lado.

Foi, aliás, por isso que Cristas falou no «Governo das esquerdas unidas» (que depois passou a chamar «esquerdas encostadas», uma alusão um tanto infantil a Costa).

As ‘esquerdas’ são o adversário que Cristas combate e quer vencer.

A nova estratégia do PSD está a permitir ao CDS apresentar-se como o único partido ‘verdadeiramente de oposição’.

E, se conseguir este estatuto, que espaço ficará para o PSD?

Se a direita votar no CDS, se os conservadores e os liberais votarem no CDS, se o eleitorado central e a esquerda moderada votarem no PS, o que restará para Rui Rio?

Os ‘verdadeiros sociais-democratas’?

Mas esses o que são? 

Na Europa, as palavras ‘socialismo’ e ‘social-democracia’ querem dizer rigorosamente o mesmo.

Não há uma doutrina socialista (democrática) e uma doutrina social-democrata.

Os partidos chamam-se socialistas ou sociais-democratas conforme os países e não por diferenças ideológicas.

Em Portugal, os sociais-democratas votam no PS. 

O que significa que Rui Rio se arrisca a ficar a falar sozinho.

O problema do PSD não é, pois, o facto de Fernando Negrão ter sido sereno e cordato com António Costa (que no final do primeiro debate até o foi abraçar). 

O problema do PSD é estar a perder o seu espaço, por não ter um posicionamento claro.

É a ideia instalada de que quer juntar-se ao PS.

Neste quadro, a forma simpática como Negrão se dirigiu a Costa foi vista como mais um episódio do namoro.

E está a ser fatal para Rio.