Fernando Carvalho Rodrigues. “Vêm ter comigo a agradecer terem podido falar para casa”

Pai do primeiro satélite português lembra que há 25 anos, também havia vontade de aumentar a aposta no Espaço. Faltou compromisso público

Deu a última aula no IADE há dois anos e entre o epíteto de “pai do primeiro satélite português”, a boa disposição e a fisionomia de Pavarotti, é uma cara conhecida dos portugueses. Na semana em que Portugal ganhou uma nova estratégia espacial, fomos saber de Fernando Carvalho Rodrigues. Vive numa aldeia perto da Guarda, onde está a escrever um livro e cuida dos seus castanheiros e carvalhos.

Como é que o pai do primeiro satélite português vê a nova estratégia do país para o Espaço?

Com alegria. Estou contente de ver isto, da mesma forma que vi nascer a primeira missão portuguesa para o Espaço Exterior com gente notável como era o Pinto Peixoto, o Namorado Rosa, isto em 1961/1962. Foram eles que trouxeram para Portugal as primeiras imagens de satélite para o país. Depois, nos anos 70, houve um programa da NATO em que estive envolvido com a Geometral e o Laboratório Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial (LNETI), que foi o que depois deu origem ao processamento de cartas militares no Instituto Geográfico do Exército.

Comparando com o que se fazia na Europa, estávamos muito atrasados?

Estivemos a certa altura muito perto de ser um país industrial, muito perto. Logo a seguir ao lançamento do primeiro satélite, em 1993, foi feito um curso aí com umas cem pessoas com o intuito de se avançar para uma rede de satélites. Tenho um documento assinado pelo engenheiro Nobre da Costa, então presidente dono da Efacec, que tinha uma dimensão fantástica – aliás o PoSAT era da Efacec – pelo General Mendes Dias, chefe do Estado Maior da Força Aérea e dono das OGMA (Oficinas Gerais de Material Aeronáutico) e o presidente do INETI, fizeram um projeto para uma rede de 26 satélites. Três estariam sempre em cima de Portugal, o que significa que nunca haveria falha de comunicações. Essa rede, que custaria, a preços atuais, 135 milhões de euros, não avançou – e para mim foi aí que se decidiu que Portugal não ia ser um país industrializado. 

Qual era a ideia da rede?

Era uma rede nacional de segurança e comunicações.

O protótipo de um SIRESP?

Custava 135 milhões… O SIRESP veio a custar 400 milhões e vê-se o que é que deu. Havia mais de dois terços garantidos de investimento privado mas o terço que vinha do Estado foi chumbado…

Mas do lado privado havia de facto interesse?

Creio que sim. Das histórias mais engraçadas que tenho foi, na véspera do lançamento do PoSAT, o engenheiro Nobre da Costa olhar para mim e dizer: “Espero que saiba o que anda a fazer porque tenho lá 3 milhões de euros”. Eram 600 mil contos na altura. Não disse aquilo com azedume, mas era uma preocupação que lhe ia na alma. Mas investiu.

Qual foi a base do PoSAT-1?

Eu tinha fundado com o comandante Pires de Matos, o comendador Rocha de Matos e o Veiga Simão uma empresa que era a EID, que ainda existe e faz parte ainda do núcleo de empresas de defesa. O financiador, veja bem os tempos, era a Tabaqueira. Isto em 1982. Fazíamos telecomunicações, as OGMA faziam estruturas. Daí ao satélite foi um passo. O que é um satélite? É um rádio, mais uns computadores, mais umas câmaras de televisão e uma estrutura pronta para ir para o Espaço. 

O que fazia o PoSAT?

Observações da Terra e, como passava em todos os lados do planeta, permitia fazer comunicações. Foi o primeiro em muitas coisas mas em 1993, que era o início da internet, permitiu aos soldados portugueses em diferentes missões enviarem emails para casa. Noutro dia, ia da Guarda para Lisboa de comboio e houve um senhor que se levantou para me vir agradecer: tinha estado na Bósnia e pôde comunicar com a família através do PoSAT.

Dos seus filhos profissionais, o satélite foi o mais importante?

Do ponto de vista do meu nome no mundo, sim. Mas onde sou mais conhecido é na modulação de conflitos na teoria da comunicação onde há um parâmetro com o nome: “Carvalho Rodrigues Entropy”. É um conceito que aparece nos livros de guerra artificial, por exemplo. Mas repare, fiz muita coisa, sensivelmente de dez em dez anos mudei de área.

Porquê? 

Repare, a partir de determinada altura, para melhorar 1%, é preciso aumentar o esforço 95%.

Então foi uma questão de conforto?

Nem é isso. Às tantas é repetirmo-nos… durante 20 anos andarmos a dizer a mesma coisa porque inovar não é uma coisa assim tão natural. A certa altura uma pessoa acaba por defender-se do que é complicado e além disso é muito bom a pessoa mudar, variar. Claro que há pessoas que não têm a sorte que eu tive que é aparecerem-lhe as instituições no caminho, a vida hoje não é fácil. Houve uma altura em que as pessoas estavam à espera que nós aparecêssemos.

Hoje teria havido condições para lançar o PoSAT como fizeram então?

Haver um conjunto de empresas que pusessem aquele volume de dinheiro – 1,2 milhões de contos, 6 milhões de euros – e além disso se disponibilizassem para formar pessoas para avançarmos com uma rede, não creio. A Coreia do Sul que decidiu industrializar-se e hoje tem uma série de satélites, lançou o primeiro no mesmo dia que nós. Seguiram-se anos de desinvestimento por isso é uma enorme alegria ver que as pessoas estão de novo com ânimo. Seja esta estratégia ou outra, o importante é haver uma estratégia de que vamos fazer coisas para o Espaço. Há muita coisa para aprender e para reaprender, porque a geração que tinha aprendido já cá não está. Há coisas que não se recuperam. Suponha que tínhamos lançado o projeto da rede dos 26 satélites…

O que acontecia? 

As comunicações hoje estariam garantidas em Portugal sempre, em todo o lado. Não fomos por aí: tivemos a desindustrialização e outra coisa que foi muito relevante que foi em 2006 o fim dos laboratórios do Estado. Veja-se a vergonha que hoje passamos em pastas como Almaraz, por exemplo. Havia um serviço do Estado que trabalha na proteção contra radiações, fazia medições em tempo real. Hoje nas faculdades ninguém está interessado nisso, não se pode exigir isso a uma faculdade porque não tem nada de inovador, é a antítese da carreira académica. Mas, enquanto serviço de um laboratório do Estado, era fundamental. 

Como vê a hipótese de ser criado um porto espacial para lançamento de satélites nos Açores?

Na altura em que foi lançado o PoSAT, os franceses estiveram interessadíssimos em fazer isso. É uma localização fantástica.

Foram os americanos na base de Lajes que travaram esse interesse?

Não sei o que houve entre Estados Unidos e França. Só sei que, além de França, chegou a ser manifestado interesse russo. Hoje o maior lançador de satélites do mundo é a Boeing: fizeram o acordo que os russos queriam fazer. Em 1994 houve uma grande exposição russa e portuguesa no CCB. Os russos queriam vir para Portugal fazer com a OGMA algo que atualmente é a Boeing que faz, que era o lançamento de mísseis intercontinentais. Quanto ao futuro, vejo este avanço com alegria mas têm de manter isto constante. Não pode aparecer depois outro governo e dizer: “agora para tudo e vamos fazer afinal assim”.

A aposta é sobretudo numa vertente de aplicações terrestres, não tanto de conquista espacial.

Em 1993 já era um projeto industrial com aplicações novíssimas. O PoSAT foi o primeiro satélite a levar um GPS e um sistema de navegação por estrelas, o que permitiu aumentar a precisão na forma como era colocado. Foi o primeiro no mundo com esse sistema, basicamente tornava as comunicações muito mais eficientes. Lembra-me mais uma história. Em Paredes há um colégio que se chama Casa Mãe. Um dia pediram-me para ir falar aos alunos e apareceu-me um senhor a agradecer: tinha feito uma expedição científica à Antártida e, como o satélite passava pelos polos, era a única forma de comunicar para casa e enviar os dados. De vez em quando vou encontrando estas pessoas.

Como é que funcionava exatamente?

Nós provavelmente a falar aqui – eu aqui da Guarda e a minha amiga em Lisboa – estamos a ir a dois satélites, só que não damos conta. Agarrado à produção de satélites havia uma empresa que fazia aquelas malas tipo as dos gangsters dos filmes. Aquilo abria-se, saia uma antena, transmitia para o satélite e quando o satélite passava em Portugal deixava cá as comunicações.

Não era uma conversa em tempo real?

Depende. Por exemplo, entre a Bósnia e Portugal, seis vezes por dia durante 20 minutos era em tempo real. Podia falar-se como estamos a falar. Noutras partes do mundo era de seis em seis horas, ou podia mandar-se um email.

Isto há 25 anos era a tecnologia de ponta?

Há 25 anos não havia nada. Um tipo mandar um email da Antártida ou do Zaire, como aconteceu uma vez quando as tropas lá portuguesas lá foram colocadas um pouco ao trambolhão, era um grande avanço.

Como lida com as sucessivas novidades tecnológicas nos dias de hoje?

Lido com enorme satisfação. Só gostava que as pessoas que hoje trabalham com estas tecnologias e os colegas que vão fazer a estratégia do Espaço tivessem uma qualidade de vida como nós tivemos e ganhassem como nós ganhámos, mas consta-me que não é assim. O nível de salários dos investigadores, nas fábricas, diminuiu.

Como passa os seus dias agora mais retirado da agitação urbana?

Estou a escrever um livro que se chama “Lidar com o Desconhecido”. Em toda a vida de investigação só conseguimos que nos contratem para aquilo que não sabemos fazer. É um ato de coragem. Se soubéssemos que íamos fazer, ninguém nos contratava. O livro é sobre isto de pôr uma probabilidade no futuro. Tenho outro interesse que são os castanheiros e os carvalhos. E por fim outro que são os barcos tradicionais do Tejo, que estou a recuperar.

Continua então a ser um homem dos sete ofícios.

De uma forma relativamente simples: fazendo uma coisa de cada vez até ao fim. Passados uns tempos, quando já estamos satisfeitos com uma área, muda-se e volta-se a aprender. 

Neste campo do Espaço, o que é que ainda gostava de ver?

Gostava que a órbita descoberta por Buzz Aldrin entre Terra e Marte e que podia usar basicamente energia gravítica fosse preenchida por um vaivém e usada para ir até Marte, onde estou convencido que haverá vida. Não é vida como a gente, mas a verdade é que nós no nosso planeta temos vida que parece extraterrestre. Não sei nada de zoologia mas há uns camarões que respiram ácido sulfúrico.

Pensei que estava a falar de algumas pessoas.

Também. E depois era um dia ver um dos nossos rapazes da Força Aérea a ir numa missão como astronauta. A aprender a ser astronauta. Nos anos todos que dei aulas dizia sempre isto: quem fez, sabe. Os outros, ouvimos dizer. E é muito fácil pensar que, só porque ouvimos dizer, sabemos.