Ex-bancários mudam de vida e confessam: “Há vida além da banca”

O i quis saber o que estão quatro ex-bancários a fazer hoje em dia. A opinião é unânime: estão melhor do que quando trabalhavam no setor e traçam um cenário negro para o futuro desta profissão

O que têm em comum Paula Portela, Vítor Pires, Paulo Pereira e Rui Sousa? Todos eles são ex-bancários, trabalharam mais de 20 anos no setor financeiro e estão atualmente a exercer funções noutras áreas de atividade. Estes quatro ex-bancários contaram a sua história ao i e juntam-se aos milhares de trabalhadores que têm saído da banca nos últimos anos, uns pelo seu próprio pé, outros nem por isso. Redução de custos tem sido a palavra de ordem dos bancos que operam no mercado nacional e que se traduz na redução do número de trabalhadores e no fecho de balcões. Os números são desanimadores: só no ano passado, os principais bancos – Caixa Geral de Depósitos, Santander Totta, BPI e BCP – dispensaram dois mil trabalhadores e encerraram 269 agências.

Paula Portela é um desses casos. Saiu do Novo Banco em junho passado. Entrou no universo Banco Espírito Santo (BES) em 1996. Os primeiros dois anos foram através de uma agência de trabalho temporário, mas rapidamente passou para os quadros da instituição financeira e, em 2014, passou para o Novo Banco depois da queda do BES. “Abriram no banco um programa de rescisões amigáveis e candidatei-me porque já não aguentava mais. Passei por várias áreas no banco, estive no private, na área das empresas, fui consultora e tinha uma equipa a meu cargo, e depois passei para gestora. Houve uma deterioração não só do ambiente em si, mas também uma despromoção em termos de funções, apesar de nunca terem mexido no meu salário”, revela a ex-bancária ao i.

Paula Portela começou a não lidar bem com o ambiente nem com os objetivos que tinha de cumprir e acabou por tomar a decisão de sair quase 22 anos depois. “Passei por um ambiente de pressão e de bullying. Em termos de chefias intermédias, entrou-se num clima de pânico e de medo porque o banco tinha de apresentar resultados, tinha de apresentar lucros. Passou a existir uma pressão muito grande nos resultados, tínhamos de dizer quantos seguros tínhamos vendido, quantos créditos tínhamos feito, era um massacre enorme. Já não dava para aguentar mais, mesmo estando a cumprir os meus objetivos”, refere.


Paula Portela saiu do Novo Banco em junho do ano passado. Para trás ficaram 22 anos de trabalho no sistema financeiro. Está agora a tirar uma licenciatura 

Paula Portela negociou a saída com o banco e deixou para trás um salário confortável e uma série de regalias, como cartão de crédito e carro. “Cheguei a uma fase da minha vida em que não me identificava nem com os valores nem com os princípios do banco com esta nova gestão”, afirma.

A sua saída concretizou-se em junho e, em setembro, inscreveu-se no ensino superior. Neste momento, com 49 anos, está a tirar o curso de Criatividade e Inovação Empresarial no Instituto Politécnico do Porto e a ideia passa por abrir um negócio próprio na área da consultoria. A ex-bancária admite que ainda não tem uma noção clara do que vai fazer, mas garante que não se arrepende da decisão. “Foi um salto para o escuro, mas foi a melhor decisão que tomei. Estou muito mais feliz, muito mais motivada porque há mais vida além do banco” e acredita que o setor financeira tal como está não tem futuro.

“Nos mesmos moldes em que está, a banca não tem futuro. Vai ter de haver uma viragem total, incluindo no atendimento aos clientes. Até a própria função de caixa vai desaparecer. Os balcões vão fechando, vai sobrar gente e pessoas como eu representam um recurso caro para o próprio banco porque acham que podem contratar pessoas a ganharem 600 ou 700 euros e fazerem o mesmo que eu”, refere ao i.

Para já tem os olhos postos na conclusão do curso e alguma curiosidade no programa de Erasmus que vai frequentar, primeiro na Lituânia e depois na Estónia. “O curso de Criatividade pareceu-me uma boa solução, é pegar na experiência de todos os anos que trabalhei e colocar os meus conhecimentos para fazer alguma coisa com isso. Queria trabalhar por conta própria mas, se aparecer uma oportunidade de ir trabalhar para uma empresa, é uma questão de avaliar”, conclui.


Vítor Pires trabalhou 25 anos em bancos. Saiu do Barclays em dezembro de 2015 e no início de 2017 abriu a ERA de Alcabideche

Aposta na mediação Vítor Pires saiu do Barclays em 2015 e deixou para trás uma carreira de 25 anos no setor financeiro. Mostra-se satisfeito com a decisão e admite que devia ter feito essa mudança “ há muito mais tempo”. Também ele considera que “há mais vida além da banca”.

Atualmente tem 48 anos e abriu em janeiro do ano passado a ERA de Alcabideche juntamente com um sócio, também ele ligado à banca. “É um amigo de longa data que está no estrangeiro e é ele o investidor. Não falamos diariamente, mas comunicamos umas três vezes por semana. Mas se não fosse com ele teria avançado na mesma sozinho. Estou cada vez mais convencido de que foi a melhor decisão que tomei”, afirma ao i.

O ex-bancário começou a sua carreira no Banco Espírito Santo (BES) e só em 2007 foi para o Barclays. “Entrei para o BES para o balcão da sede, um espaço com muita história, o que me permitiu ganhar muita experiência e muito conhecimento quer ao nível das pessoas com quem trabalhava e lidava, quer ao nível de experiência que tive por trabalhar num balcão com aquela responsabilidade. Comecei como caixa, depois passei para um segmento que foi criado na altura que era o segmento privado, também lidei muito com a área de empresas. Em 2000 fui para a área de organização e aí tive uma experiência completamente diferente que não tinha nada a ver com a área comercial, estava mais relacionada com projetos, onde estive até 2007.”

Foi nessa altura que foi convidado para um outro projeto no Barclays e Vítor Pires não hesitou na decisão. “Era um projeto que estava em expansão em Portugal e onde já tinha um grande know-how devido aos anos de trabalho no BES. Montámos um departamento de organização que eles não tinham e as coisas correram bem até 2011”, ou seja, até à altura que a instituição financeira decidiu que os negócios que tinha na Europa não eram rentáveis e que queria vender ou fechar essas operações. A partir daí, Vítor confessa que sentiu que a sua experiência na banca estava prestes a terminar. “Já se começava a assistir a profundas reestruturações no setor e que continuam até agora, com o fecho de balcões e a saída de trabalhadores. Tinha uma posição confortável dentro do banco em termos de estrutura pois já reportava à comissão administrativa, até anunciarem que a operação ia ser vendida e eu ficaria numa posição fragilizada. A posição que tinha, naturalmente, seria assumida pela entidade que fosse comprar o banco”, revelou.

O ex-bancário começou então a preparar a sua saída. Em 2014 aderiu a um programa de rescisões que estava em curso – mais um dos que estavam a ser levados a cabo nos últimos anos por aquela instituição financeira – por achar que estava na sua hora. “Aceitaram, mas pediram–me mais seis meses para ajudar a preparar o processo de venda ou de fecho do banco e aceitei. Quando estava a terminar esse prazo pediram-me para ficar mais seis meses e, nessa altura, já havia um comprador para o banco, que era o Bankinter, e a ideia era ajudar no processo de transição do negócio inglês para Espanha. Quando cheguei ao final desse tempo quis mesmo sair.”

Apostar num projeto pessoal foi a alternativa que mais lhe agradou. “Era difícil ‘vender-me’ para qualquer coisa numa empresa porque só tinha experiência em banca. O que podia dizer numa entrevista de recrutamento? Sei trabalhar na banca, sei desenvolver projetos”, admite. E a possibilidade de voltar para a área que conhecia tão bem também ficou posta de parte não só pela idade, mas também pelo próprio setor, por estar a ser alvo de fortes processos de reestruturação.

“É um setor que mudou completamente o seu paradigma. Estávamos sempre habituados a projetos de crescimento, queríamos construir, implementar mudanças, mas o que a banca pretende neste momento já não é crescer, quer é avançar com planos de reorganização interna assentes num modelo próprio que já não se enquadra no meu perfil nem naquilo que aprendi ao longo do tempo. Não estou a dizer que estão errados, até acho que não estão, mas acho que são projetos que já não têm nada a ver comigo, o que me levou a mudar completamente de atividade”, diz ao i.

O mercado imobiliário foi a escolha considerada natural, dado o seu interesse por esta atividade ao longo de vários anos. Depois de uma ronda pelos vários players a operarem no mercado português, optou pela ERA. A partir daí foi um ano de negociações até encontrar uma zona e até perceber como funcionava o negócio. Em 2017 arranca com a mediadora. “Ganhei qualidade de vida, sou capaz de trabalhar mais três ou quatro horas por dia com a maior das tranquilidades. Mas também é uma vida stressante, temos de andar sempre atrás do nosso ordenado e isso cria outras preocupações, mas a banca dá um know–how à procura de sucesso que poucas atividades dão. E as pessoas que trabalharam lá uns anos aprenderam isso, e quando estou a recrutar dou preferência às pessoas que vêm da banca, principalmente da área comercial, porque estão sujeitos a uma pressão que valorizo”, refere.


Paulo Pereira estava a trabalhar há 23 anos no BCP quando foi convidado a sair. Em 2014 mudou de rumo e abriu um restaurante em Paço de Arcos

 

Ainda assim, Vítor Pires admite que consegue manter uma relação estreita com o setor financeiro, onde também criou amizades muito grandes. “Na área de vendas de casas conseguimos olhar para os clientes e perceber se estes poderão ter acesso ao crédito, e quando chegamos aos bancos e apresentamos uma proposta temos quase a certeza de que o processo vai ser aprovado. Não mandamos para os bancos aquilo que achamos antecipadamente que não vai ser aprovado. E isso é uma vantagem”, diz o ex-bancário.

“Uma das preocupações que tive assim que tomei a decisão e acabei por sair um ano depois foi tornar a minha vida muito mais leve em termos de consumo, em termos de despesas financeiras. E comecei a alterar o meu estilo de vida porque vamos reiniciar um ciclo de construção de vida e é essa a preocupação que todos devem ter perante uma situação de saída”, garante.

Investir na restauração Depois de ter trabalhado 23 anos no BCP, Paulo Pereira foi convidado em 2012 a sair na primeira leva de despedimentos realizados pela instituição financeira. O ex-bancário, agora com 48 anos, confessa que não estava à espera e, como não gostou, aceitou de imediato.

“Não estava nada à espera. Comecei pela área comercial, mas depois fui para a área informática, onde dava apoio a todos os balcões. Sempre fui muito polivalente. Mas foram questões particulares, como inveja e ciúme, que levaram o meu nome a aparecer nessa lista porque tinham simplesmente de dar nomes. Nunca tive uma avaliação negativa e achei esse convite quase ofensivo pela forma como apresentaram a proposta. E fui ameaçado porque ou aceitava e saía com aquela indemnização ou não aceitava e voltavam a fazer outra proposta que, segundo eles, seria pior”, refere ao i.

Hoje em dia, garante, está um pouco arrependido por ter aceite a proposta sem qualquer hesitação. E dá uma justificação: “Fiquei a saber que a maior parte das pessoas que estavam nessa lista não aceitaram e continuaram lá. Ficou lá tanta gente incompetente. Outras que não aceitaram as primeiras propostas acabaram por sair com condições melhores do que as que foram inicialmente apresentadas”, confidencia.

Paulo Pereira lembra, no entanto, que como estava na primeira leva de despedimentos não sabia bem o que ia acontecer e acabou por aceitar sem grande margem para negociações. Era uma espécie de estreia no BCP. “ Saí com o primeiro valor que me apresentaram e sem qualquer apoio de saúde.”

Hoje em dia, de acordo com o ex-bancário, o seu trabalho está a ser feito por um trabalhador que tem de vir do Porto, o que representa custos muito elevados para o banco. “Se não tivesse aceitado, de certeza que ainda hoje estaria lá. Continuo a ter lá imensas pessoas amigas. Mas também sei que, como me conheciam tão bem, sabiam que ia ter sucesso fora do banco”, afirma ao i.

Nessa altura, Paulo Pereira já tinha um restaurante e conciliava os dois trabalhos, mas acabou por abandonar também o projeto na restauração. Ainda se candidatou a outros trabalhos no setor financeiro, mas sem sucesso. “Em 2012, os bancos já estavam numa fase de reestruturação, já não estávamos na altura em que saíamos de um e íamos para outro. Apresentavam, como continuam a apresentar, salários bem mais pequenos”, revela.

Paulo Pereira ainda esteve dois anos sem trabalhar mas, em 2014, surgiu a ideia de abrir outro restaurante. Apostou no Espaço in café, em Paço de Arcos, onde investiu parte do seu subsídio de desemprego. Garante que esta área é muito complicada em termos de horários, “mas isso já estava habituado no BCP, pois fazia muitas mas muitas horas. Só estou mais insatisfeito por não ter fins de semana”.

Em relação à escolha de atividade, o ex–bancário admite que foi uma decisão fácil. “Sempre tive gosto por esta área e continuo a fazer também a área comercial. O ordenado não é certo mas, felizmente, está a correr bem. Não tenho luxos, acabei com os cartões de crédito e com todas as regalias que tinha”, conclui.


Rui Sousa trabalhou na banca durante 28 anos. Agora está ligado a uma sociedade gestora de fundos de pensões e é aí que pensa terminar a sua carreira

 

Gerir fundos de pensões Dos ex-bancários ouvidos pelo i, Rui Sousa, agora com 65 anos, é o que está a exercer uma atividade mais próxima da área financeira ao trabalhar numa consultora que gere fundos de pensões. Para trás ficou uma carreira de 28 anos na banca. Começou no BES em 1980 e em 2000 foi trabalhar para o Rothschild, especializado nas áreas de negócio de banca privada e de asset management, de onde saiu em 2008. Há três anos mudou para a área da consultoria.

“Abandonei a banca em definitivo em 2008, estava com receio de ter um ataque cardíaco”, confessa ao i. Ainda assim, admite que continua a trabalhar numa área próxima do setor financeiro, “mas mesmo assim é uma área diferente e que exige uma postura diferente face à banca pura, onde trabalhei 28 anos.”

Apesar do stresse, Rui Sousa garante que acompanhou a fase mais interessante do setor financeiro português, que foi a modernização da banca nacional. “Assisti ao chamado primeiro processo de teleprocessamento, ou seja, a partir do momento em que os processos automáticos começaram a funcionar. Ainda tive um restinho da banca com máquinas muito pesadas, com os cartões perfurados, até chegar à digitalização do setor. Sou do tempo em que não havia bolsa em Portugal, e depois voltou a existir. Trabalhei num banco que era nacionalizado e depois foi privatizado. Os meus 28 anos foram muito ricos em termos de experiência. Foram anos muito interessantes, mas também muito stressantes”, revela o ex-bancário.

Rui Sousa revela, no entanto, que chegou uma altura em que tinha de pôr um ponto final na sua atividade, pelo menos da forma como estava a ser desenvolvida. “Comecei a ter noção de que tinha de parar, as bolsas estavam terríveis. E a minha decisão coincidiu com a crise financeira em 2008 e com o facto de os meus clientes estarem a sofrer com isso e eu com eles”, revela. Foi nessa altura que se afastou e arrancou com um projeto novo ligado à área da saúde, como consultor estratégico, mas três anos depois foi convidado para entrar na Sociedade Gestora Fundos de Pensões (SGF), uma consultora com 30 anos de atividade mas que precisava de apoio na área comercial porque também enfrentou tempos difíceis a partir de 2008. E é aqui que o ex-bancário acredita que vai acabar a sua carreira profissional. “Não quero regressar à banca, gosto muito deste desafio profissional porque é uma área que está muito na ordem do dia – relacionada com reformas – e é um problema que nos vai afetar a todos e que já nos está a afetar. É um mercado muito desafiante”, salienta.

Atualmente gere o fundo de pensões de várias entidades, como o do Sindicato dos Pilotos de Aviação Civil (SPAC) e o do Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários (SNQTB), entre outros.

Rui Sousa não hesita em apontar o que ganhou com a mudança de carreira: “Tenho maior qualidade de vida, durmo melhor, descanso mais ao fim de semana e nas férias. A minha atividade estava muito ligada aos mercados financeiros e estes não param. Bastava haver uma desvalorização ou correção da bolsa e isso afetava-me porque pensava na carteira dos meus clientes. E eles sofriam e eu também sofria com isso. Era terrível. As exigências eram muito grandes, os bancos tinham ambições muito grandes em termos de resultados e, por isso, a pressão sobre os trabalhadores também eram muito grande em termos de objetivos, custos, cortes e gastos. Num mercado pequeno como o nosso, com muitos bancos, é uma luta terrível”, diz ao i.

Agora lembra que o cenário é diferente, mas também igualmente exigente. “Na minha altura havia clientes com contas em três ou quatro bancos e era preciso mantê-los para não mudarem de banco. Depois começou assistir-se a uma redução do número de bancos, mas isso também implica uma luta maior para manter os clientes”, acrescenta. E traça um cenário de futuro para os trabalhadores que ainda permanecem nos bancos. “Vão ter uma carreira muito diferente da minha, nunca vão fazer 35 anos de banca, e vão ser cada vez mais atividades tecnológicas. Os bons vão ter sempre oportunidade de progredir na carreira, mas vão ser muito em menor número em relação há 20 ou 30 anos atrás. Os números são assustadores. A atividade bancária como existia vai desaparecer porque, com a tecnologia, é tudo muito mais rápido e eficiente, e o ser humano vai ser minoritário nessa atividade. Vai continuar a existir um segmento de clientes que quer continuar a ser atendido pessoalmente e esse serviços têm de ser muito bem pagos, ao contrário do que acontece agora, porque são muito especializados e têm de estar sempre disponíveis. Mas a massa dos clientes bancários vão recorrer aos meios tecnológicos. É insustentável a banca permanecer com a mesma dimensão que tem agora”, conclui.