Facebook. Esparrela em dois continentes

Zuckerberg tem de explicar a Londres e Washington se a maior rede social do mundo tem fugido às responsabilidades e enganado o mundo.

A maior rede social do mundo via esta terça-feira explodir à sua volta os estilhaços de um escândalo em ebulição rápida que ameaça comprometer a sua reputação de gigante bem intencionado e provocar um abalo sísmico na forma como lida com as suas responsabilidades políticas. Ao cabo de várias revelações na imprensa sobre como uma organização com sede no Reino Unido se serviu de esquemas ilegais para recolher os dados de 50 milhões de utilizadores do Facebook, colocando-os ao serviço da dissimulação política e de campanhas como as de Donald Trump, por exemplo, o fundador e CEO da rede social foi esta terça convidado a dar justificações em pessoa e em direto, algo que, na história recente, a sua empresa tem evitado. Nos próximos dias, Zuckerberg pode ser intimado a prestar declarações semelhantes aos congressistas em Washington.

Zuckerberg pode recusar o convite britânico – o norte-americano, a verificar-se, pode ser inevitável. Contudo, o presidente do comité que investiga a disseminação de notícias falsas no Reino Unido parece ter colocado o fundador do Facebook numa posição impossível. Zuckerberg prometeu em janeiro que a sua missão para este ano é corrigir as fendas na rede social que vêm permitindo a vários agentes de desinformação propagar com intensidade diferentes formas de dissimulação política. Fê-lo enfaticamente – “vou consertar o Facebook”, escreveu –, admitindo que a empresa minimizou o seu papel nas manobras russas que intervieram nas eleições norte-americanas e sugerindo, finalmente, que, neste novo ano eleitoral nos Estados Unidos, a rede social não escaparia às suas responsabilidades. Os últimos dias sugerem o contrário.

O “New York Times”, o “Guardian” e a estação britânica Channel 4 revelaram através de várias reportagens que uma empresa britânica chamada a tempos SCL e Cambridge Analytica fingiu ser uma organização académica para recolher informações pessoais e políticas de qualquer coisa como 50 milhões de utilizadores do Facebook. O “roubo” – termo que o Facebook rejeita – aconteceu em 2014, ano de eleições intercalares nos Estados Unidos. Estes dados estão ainda nas mãos da empresa, que as utilizou na campanha presidencial falhada de Ted Cruz, candidato republicano, e na bem-sucedida de Donald Trump. De acordo com as investigações e o relato de antigos funcionários, a Cambridge Analytica usou não apenas os perfis “psicográficos” para informar as campanhas como também se serviu deles para saber em que dose e em que altura devia publicar notícias falsas que influenciassem esses utilizadores.

Está em disputa a eficácia destes métodos, mas o diretor da Cambridge Analytica, Alexander Nix, gabava-se de ter tido mão na vitória de Trump, segundo escreve o “Guardian”. Nix foi esta terça-feira afastado do seu cargo, em parte também porque o Channel 4 publicou esta semana imagens gravadas em segredo nas quais o responsável prometia outros serviços a um suposto político do Sri Lanka – na verdade um repórter sob disfarce –, incluindo armadilhas com “lindas mulheres ucranianas”. O escândalo atinge Zuckerberg de várias maneiras. O Facebook começou por negar a fuga de informação – isto, na quinta-feira –, ameaçou o “Guardian” com uma providência cautelar na sexta e, confrontado com novas reportagens, admitiu por fim estar “alarmado” com o caso. Nega, no entanto, que a informação ainda esteja nas mãos da empresa fraudulenta.

Também isto é duvidoso. Esta terça-feira, o “New York Times” revelou que o responsável pelas operações de segurança e proteção dos utilizadores do Facebook vai demitir-se em agosto, em protesto contra a empresa, que, segundo o diário norte-americano, não quer revelar toda a extensão das manobras ilegais como as que são atribuídas à Cambridge Analytica. Além disso, na noite de segunda-feira, uma equipa de investigadores privados contratada pela própria rede social levou vários contentores dos gabinetes da Cambridge Analytica antes de os agentes britânicos conseguirem um mandado para o fazer. “Estariam eles a recolher informação ou provas que podem ser vitais?”, interrogava-se esta terça-feira Damian Collins, o deputado britânico que convida Zuckerberg a testemunhar em Westminster. “As respostas dos seus responsáveis têm ignorado os riscos e ludibriado o comité”, escreveu.