Pedrógão Grande, Marielle Franco e o aproveitamento político

Gostava que as mortes nos incêndios do ano passado tivessem provocado a mesma revolta que a morte da Marielle Franco provocou em alguns deputados. Mas isso, claro, teria sido “aproveitamento político”…

Portugal manifestou a sua solidariedade após o assassinato que vitimou Marielle Franco. A Assembleia da República aprovou – e muito bem – um voto de pesar em homenagem à ativista brasileira. Os partidos foram unânimes nessa votação, não sendo unânimes na reação ao sucedido. 

Mariana Mortágua, deputada do Bloco de Esquerda, perguntou em retórica: "Não vamos fingir que a morte de Marielle Franco não teve nada a ver com o regime de violência e falta de democracia que o golpista Temer impôs ao Brasil, pois não?". Para Joana Mortágua, também deputada do Bloco de Esquerda, Marielle Franco "morreu às mãos da guerra contra a democracia no Brasil". Para Catarina Martins, líder do Bloco, Marielle Franco foi vítima de "um crime político e de ódio".

O que têm em comum as três reações bloquistas? Muito. Todas politizam assumidamente a questão e todas culpam o atual governo brasileiro pela morte de Marielle Franco. 

Se é inegável que há um problema grave de violência policial no Brasil, é desonesto dar a entender que esse problema começou com o governo de Michel Temer. Ao fazê-lo em resposta à morte de Marielle Franco, o Bloco de Esquerda está a politizar uma tragédia para fazer oposição a quem não quer ver no poder. Coincidentemente, foi precisamente isso que o Bloco acusou o PSD e o CDS de fazerem na reação aos incêndios do ano passado em Portugal: "aproveitamento político". 

Não deixa de ser irónico, nesse sentido, que a esquerda possa culpar um governo por uma morte e chamar-lhe "manifestação solidária", enquanto a direita não pode escrutinar um governo por 112 mortes sem lhe chamarem "oportunista". 

Como se a esquerda "se comovesse" perante a tragédia brasileira e a direita "conspirasse" através da tragédia nacional.

É mesmo para levar a sério?

Não, não é.

Se fosse para levar a sério, Catarina Martins não teria tweetado "que venha a chuva" depois de quarenta pessoas perderem a vida em Pedrógão mas saído à rua pela morte de Marielle Franco (e contra o governo de Michel Temer). E foi isso que aconteceu. 

Quando morre alguém e a esquerda está no poder, o Bloco comenta a meteorologia. Quando morre alguém e a esquerda não está no poder, o Bloco já pede responsabilidades. 

Marielle Franco não merecia melhor?