Pare, escute e, olhe, tire as suas conclusões

Enquanto Costa desafia Rio para acordos de regime sobre o investimento público, já foi fechando tudo com Bruxelas. Para não perder o comboio.

Se a política portuguesa se movesse por linhas férreas, António Costa iria bem instalado numa composição de alta velocidade, com Catarina Martins e Jerónimo de Sousa nas carruagens de trás, a reboque, enquanto Rui Rio continuaria a esbracejar com os seus porta-malas numa estação ou apeadeiro qualquer, a ver passar os comboios, e Assunção Cristas estaria na gare a apitar para quem a quisesse ouvir, bradando contra as linhas degradadas e os riscos de descarrilamentos.

Mas a política política portuguesa não há meio de entrar nos carris. Nem, pelos vistos, quer saber deles para nada. Porque nem o facto de estarmos perante o maior investimento do século (palavras do ministro Pedro Marques) faz com que a Oposição pare, escute e olhe para o que está a passar-se e a passar-lhe ao lado.
Que é o quê? 

Tão só e apenas o plano estratégico de investimento público para as próximas décadas, com afetação de recursos do Estado e de fundos europeus sem paralelo: Portugal quer afirmar-se como plataforma portuária de mercadorias essencial para a Europa, alternativa nas rotas marítimas mundiais ao sobrelotado Canal do Panamá. Sines é o porto, ou a porta, principal. E posicionar-se igualmente como posto de abastecimento, ou reabastecimento, com atracagem ou sem ela, de cargueiros e navios transatlânticos do futuro, cada vez mais presente,  elétricos ou a gás.

Como? Preparando-se desde já para a ligação da carga marítima, aérea e ferroviária com o resto da Europa.
Como? Fazendo a ligação ferroviária de mercadorias entre Sines e Elvas pela bitola espanhola que liga à rede europeia de alta velocidade e fazendo-a passar pelo Poceirão (assegurando a ligação Lisboa-Madrid).

Deste modo, estabelece-se a ligação também à carga aérea do futuro aeroporto do Montijo (em detrimento do que chegou a estar projetado para a Base Aérea de Beja), e assegurando, assim e igualmente, as ligações aos portos de Setúbal, Barreiro e Lisboa. E o que é válido para as mercadorias – e absolutamente estratégico (e daí derivará, sequencialmente, a necessidade de uma terceira travessia rodoferroviária entre as duas margens do Tejo em Lisboa) – sê-lo-á obviamente para passageiros, bastando, então, lançar concurso para as respetivas composições.

Em tempos idos – nos Governos de Durão Barroso e de José Sócrates -, um projeto com tal dimensão deu azo, naturalmente, a debates e polémicas intermináveis.

Que perderam toda a razão com a decisão de Passos Coelho de pôr travão a fundo e abandonar a ideia.
Pois bem, António Costa não só a recuperou, como já a pôs em prática. E sem retorno. E sem debate nem polémicas, talvez escusados, ou, se calhar, talvez não.

O primeiro troço e o início dos trabalhos até já foi inaugurado, em cerimónia em que o primeiro-ministro português se apresentou ao lado do seu homólogo espanhol, Mariano Rajoy, e da comissária europeia com a tutela dos transportes, a senhora Blunc.

O SOL fez manchete há 15 dias com esse lançamento da alta velocidade em Portugal. E mereceu uma ‘nota de esclarecimento’ do Ministério de Pedro Marques, que, afirmando ser ‘tudo falso’, confirmou, porém, as respostas dadas pelo Ministério – julgámos nós que em nome do ministro, mas o assessor João Morgado Fernandes ‘esclareceu’ que o ministro «não fez declarações ao SOL» (ficando nós sem saber, portanto e afinal, de quem são aquelas respostas dadas pelo Ministério às perguntas que o SOL dirigiu ao ministro).

Ora, nem a senhora Blunc nem o seu gabinete de Bruxelas fez até ao momento qualquer ‘nota de esclarecimento’ ao que o seu porta-voz, Enrico Brivio, respondeu às questões que o SOL dirigiu à Comissão Europeia sobre o projeto de transporte ferroviário de mercadorias lançado em Évora na semana anterior – e de que o SOL deu nota na sua última edição.

E o que respondeu a comissária, através do seu porta-voz? Confirmou o que o SOL já tinha noticiado e ainda acrescentou que há uma segunda ligação entre Portugal e Espanha, já em execução (e também com financiamento aprovado), da Guarda a Salamanca.

No entretanto, o Governo português, através do secretário de Estado da tutela, fez vir a público um relatório sobre o mau estado das linhas ferroviárias nacionais, com elevados riscos de descarrilamentos. E vá de perorar sobre o assunto.
Sobre o projeto em execução de alta velocidade… nem uma palavra.

Nem o secretário, nem ninguém (com exceção de Mira Amaral e Henrique Neto, em artigos de opinião também publicados no SOL da semana passada).

Assim sendo, e pelos vistos, se ao Governo não interessa e à Oposição não importa, o facto estará consumado: Lisboa e Madrid ficarão mais próximas e a Península Ibérica menos distante do resto da Europa.
Tudo empacotado e já despachado. 
O resto, cá estará o povo para carregar. 
Ou não. 
Logo se verá e certamente então se discutirá. 
A posteriori, à portuguesa. 
A ver vamos.