Governo só tem uma medida para compensar empresas

Vieira da Silva desenhou um pacote de combate à precariedade quase tirado a papel químico das negociações com o BE, mas a Esquerda acha que ainda há muito por fazer.

Governo só tem uma medida para compensar empresas

Vieira da Silva levou à concertação social apenas uma proposta para beneficiar as empresas que optem por reduzir o número de contratos a prazo. O ministro está disponível para reforçar, de forma temporária, o apoio que já existe para os patrões que decidam passar os contratados a prazo a trabalhadores efetivos. Mas não concretizou de que forma está disponível para o fazer numa reunião para a qual levou um pacote de medidas que visa diminuir a precariedade do emprego.

«É um pacote robusto», comenta uma fonte do Governo, que admite que as propostas apresentadas aos parceiros sociais possam vir a ser alteradas em sede de concertação, mas recorda que «o Parlamento terá a última palavra».
A manterem-se as propostas que Vieira da Silva apresentou ontem na concertação social, não se esperam  grandes dores de cabeça políticas à Esquerda, apesar de BE e PCP entenderem que o documento é insuficiente e, no caso dos comunistas, ainda esteja em cima da mesa a possibilidade de não viabilizar a taxa que penalizará as empresas com mais vínculos precários.

As conquistas do BE

Embora no Governo se recuse a ideia de «um acordo» assinado com o BE sobre matérias de legislação laboral, a verdade é que o pacote de medidas ontem revelado coincide quase a papel químico com os resultados do grupo de trabalho sobre precariedade que juntou o Executivo, o PS e o BE.

O ministro foi ao encontro das pretensões bloquistas na limitação da duração máxima dos contratos a prazo, na redução dos motivos invocados para a sua realização e até na penalização a aplicar às empresas que mais recorrem a este tipo de vínculos. Vieira da Silva também avança com o reforço do número de inspetores da ACT (Autoridade para as Condições do Trabalho) há muito reclamada pela esquerda e com alterações que garantem que os trabalhadores têm direito a uma compensação sempre que cessem o vínculo a prazo.

O único ponto em que é assumida uma divergência frontal com os parceiros à Esquerda é na questão da caducidade da contratação coletiva. BE e PCP reclamam há muito o fim da caducidade por vontade de apenas uma das partes, mas o Governo não cede neste ponto e apresenta apenas a possibilidade de suspensão de todos os prazos da caducidade enquanto se recorre ao conselho arbitral criado na CES.

A divergência não é, contudo, suficiente para criar uma crise. «Consideramos que este é um trabalho ainda em aberto», comenta ao SOL uma fonte do BE, que prefere realçar as conquistas alcançadas nesta fase.

A batalha é considerada ganha, mas os bloquistas querem continuar a guerra. «Há outras matérias laborais que constituem, para o Bloco, prioridades para esta legislatura: reforço das indemnizações por despedimento e caducidade de contrato de trabalho, aumento da proteção dos trabalhadores por turnos; reconhecimento dos direitos laborais dos cuidadores informais», reagiu o partido em comunicado. O problema será o de saber que armas poderão ser usadas pelos bloquistas para continuar a luta.

No PCP também se encontram pontos positivos nas medidas apresentadas, mas os comunistas acham curto o documento apresentado por Vieira da Silva. Ao ter ficado de fora o fim da caducidade e a reposição do tratamento mais favorável, o PCP entende que falta o mais importante. «É um documento que tem aspetos positivos, mas é insuficiente», comenta ao SOL a deputada Rita Rato.

PCP pode não viabilizar taxa de rotatividade

Os comunistas congratulam-se com a redução de três para dois anos da duração máxima dos contratos a prazo e com o fim da exceção que permitia estes vínculos em funções permanentes na contratação de jovens à procura do primeiro emprego e de desempregados de longa duração. Mas a taxa de rotatividade não convence o PCP.

«Achamos que as empresas não devem ser penalizadas nem premiadas por cumprir a lei. O que deve é haver um reforço da ACT que deve garantir que a uma necessidade de trabalho efetiva corresponde um vínculo permanente», aponta Rita Rato, que diz querer conhecer a proposta em concreto antes de anunciar se o PCP pode ou não ajudar a viabilizá-la. «Só posso dizer que não seria pela nossa mão que seria introduzido esse mecanismo».

Na verdade, a forma como a taxa será aplicada ainda está em aberto. O Governo quer criar uma taxa progressiva de 1% a 2% a aplicar sobre o total da massa salarial dos contratos a prazo de cada empresa no final de cada ano sempre que o seu índice de rotatividade supere a média do setor, mas ainda há muito por definir, nomeadamente, a forma como serão desagregados os setores ou até os dados que permitirão estabelecer as médias do recurso à contratação a termo por setor.
Uma coisa é certa: o pacote de medidas proposto pelo Governo não agrada aos patrões, mas também não convence a esquerda a 100%. Pelo lado do PCP, a estratégia já está definida. Os comunistas vão continuar a apresentar as suas propostas – nomeadamente, a do fim dos bancos de horas que o Governo admite manter não sob a forma individual mas em sede de convenção coletiva. «O PS vai ter de decidir se quer repor direitos ou se prefere continuar a fazer acordos com o PSD e o CDS», diz Rita Rato, sublinhando que as várias greves já agendadas demonstram que «a luta dos trabalhadores não pára» e que essa é uma arma que o Governo não pode menosprezar.