O assédio aos médicos

O sindicato não gostou de algumas regras fundamentais de atendimento ao público. Por que será?

Há coisas que nunca consegui perceber no pensamento mais radical da Esquerda: se os seus gurus, leia-se URSS e China de Mao, sempre defenderam a disciplina, obrigando num dos casos a população a andar quase toda vestida  da mesma cor, o cinzento,  e no outro as fardas faziam parte do dia-a-dia, qual é então a razão para a Esquerda portuguesa abominar algum rigor no vestuário dos trabalhadores?

Se entramos num avião, mesmo nas companhias mais ‘manhosas’, sabemos quem são as hospedeira(o)s; quando entramos num autocarro, o motorista também vai fardado; se vamos ao Lux, também sabemos quem são aqueles que nos servem os copos; se precisamos de ir aos correios, percebemos facilmente quem está de serviço;  já para não falarmos das grandes cadeias de supermercados. Os exemplos não faltam e é lógico que as empresas queiram que os seus empregados se distingam dos clientes e que se apresentem convenientemente. É certo que depois do 25 de Abril confundiu-se liberdade com anarquia e qualquer farda era considerada um símbolo do fascismo, levando mesmo os soldados a pensarem que eram hippies, mas esse tempo já lá vai.

Vem esta conversa a propósito da indignação do Sindicato dos Médicos do Sul, que considerou o ‘Regulamento Interno de utilização e conservação do fardamento e cacifo’ do Hospital de Cascais uma afronta que coloca «em causa a liberdade e a individualidade dos trabalhadores daquela unidade hospitalar». Tudo porque a administração decidiu impor algumas regras essenciais de apresentação, já que os funcionários estão em contacto com o público e é necessário distinguir uns dos outros. Não está em causa que algumas das recomendações até podem ser absurdas – já lá vamos –, mas que são precisas regras penso que ninguém de bom senso pensará o contrário. De todas as últimas vezes que precisei de ir ao hospital, e foram muitas, vi-me grego para saber distinguir quem era médico, enfermeiro, auxiliar ou mesmo as senhoras da limpeza. É que são tantas as fardas comuns a médicos e auxiliares que se torna difícil perceber a quem nos devemos dirigir para obter informações.

Falando com uma médica amiga, lá me tentou explicar a razão de tantas jovens colegas optarem por ir trabalhar como se fossem para a discoteca e que a bata branca muitas vezes é substituída por outras mais fashion.

Voltando ao Hospital de Cascais, o que chateou tanto o Sindicato dos Médicos do Sul? Que os médicos usem maquilhagem discreta; desodorizante sem cheiro; perfume leve que não incomode os utentes; quem tem o cabelo abaixo dos ombros use rabo de cavalo; que os chinelos, sandálias e botas estão proibidos; que não podem ser usados piercings; joias, e tatuagens de qualquer tipo em locais visíveis do corpo; e que não devem ser visíveis peças de roupa que não pertençam ao fardamento.

Uma leitura rápidas destes itens dá para perceber que a administração tem razão, embora cometa exageros absurdos – a das tatuagens talvez seja o maior, alguém que seja um brilhante médico terá de deixar de o ser. Mas o que dizer de um funcionário que usa um perfume tipo patchouli, ou tem o cabelo a cair na cara do doente que está a ser observado?

O comunicado do sindicato acaba de uma forma verdadeiramente revolucionário: «Exigimos aos poderes legalmente estabelecidos a imediata anulação deste tipo de chantagem e assédio nos locais de trabalho».

vitor.rainho@sol.pt