A onda Marielle

Em dezembro, a Carta Universal dos Direitos do Homem comemora sete décadas. No Brasil, a continuar assim, e mesmo se fosse hoje, serão sopradas velas sangrentas. 

A onda de homenagens Marielle Franco atravessou o Atlântico. Em Portugal, os tributos – marcados pelas expressões ‘luto e luta’ – estenderam-se por nove cidades e juntaram mais de mil pessoas, um número incrível se tivermos em conta que não há uma tradição por aí além de mobilizações no país motivadas por acontecimentos fora de portas. 
As imagens dessas cidades – Lisboa, Porto e Coimbra com as maiores concentrações, seguindo-se pequenos ajuntamentos em Aveiro, Braga, Viana do Castelo, Vila Real e Viseu – mostram grupos compostos principalmente por mulheres que se juntaram ao coro anti-violência que começou a gritar no Rio.

Marielle era negra, favelada, feminista, homossexual, mas não foram estas partes que fizeram o todo da sua morte. As balas foram disparadas contra a vereadora que mais vezes tinha condenado publicamente a arbitrariedade e brutalidade da intervenção militar federal no Rio de Janeiro e foram, provavelmente, essas denúncias que a estilhaçaram.

Uma execução política é uma mensagem fortíssima, metálica. E a execução de uma pessoa com o cariz, a tenacidade e a empatia da vereadora funcionou em exata medida contrária ao pretendido por quem ordenou o que crime. Se procuravam o silenciamento, encontraram antes uma turba de vozes, cada vez mais atenta e revoltada. 

Os tiros atingiram o pipo que restava de uma panela de pressão. Explodiu. Mas o vapor vinha a acumular-se. Só nos primeiros três meses deste ano, lembrava o Diário de Notícias, foram mortos oito ativistas. Já esta semana, foi morto a tiro outro vereador em Magé, município da região metropolitana do Rio de Janeiro. Nos últimos dois anos, 40 políticos – eleitos – foram executados, sendo que só no período eleitoral antes das eleições municipais de 2006 morreram 28 candidatos. Há ainda 24 líderes comunitários desaparecidos.

Em dezembro, a Carta Universal dos Direitos do Homem comemora sete décadas. No Brasil, a continuar assim, e mesmo se fosse hoje, serão sopradas velas sangrentas.