Cynthia Nixon. A celebridade nem sempre é histriónica

A Miranda de O Sexo e a Cidade candidata-te a governadora do estado de Nova Iorque. Quer acabar com a desigualdade galopante, consertar o metro e acabar com a segregação económica nas escolas. Na era de Trump e da política das celebridades, Cynthia Nixon também quer ser levada a sério.

Cynthia Nixon. A celebridade nem sempre é histriónica

Cynthia Nixon é uma peça fundamental da cultura pop do entre-séculos. Foi Miranda em O Sexo e a Cidade, a série norte-americana que em 94 episódios e dois filmes desnudou – o termo vem a propósito – as vidas emocionais, sexuais e aspiracionais de quatro mulheres em Nova Iorque, todas na ponta resignada dos 30, primeiro, e, depois, no começo neurasténico dos 40. Debater-lhe os méritos é deambular por uma ravina onde de um lado se encontra uma narrativa ousada e mergulhada nas questões de género e identidade feminina e, na outra face, mais encarpada e monumental, se observa com nitidez a farsa disso mesmo. Cynthia Nixon, que na série representava uma espécie de figura alegórica feminina – com um pé no cinismo e feminismo pudico -, vê-se por estes dias colada a uma nova alegoria. É, desde segunda-feira, candidata às primárias do Partido Democrata para o cargo de governadora de Nova Iorque e, contra a sua vontade, o mais recente exemplo da vaga de celebridades que tenta concentrar em si as aspirações políticas que o eleitorado rejeita aos profissionais de fato e gravata. 

À distância, Cynthia Nixon parece de facto um fac-símile simultâneo de Oprah, Trump e aspirante democrata Bernie Sanders. Cynthia é, como Oprah, mas em ponto pequeno, uma grande figura do feminismo de Hollywood, sem qualquer experiência na função pública. É também uma representante da alta sociedade de Nova Iorque, embora o seu milieu seja mais artístico do que aquele em que se inseria o presidente norte-americano. Finalmente, espelhando Sanders e a veia recém-pulsante da esquerda democrática, Nixon é também uma progressista de faca na boca, disposta a cortar a corda a outros liberais presos a grandes magnatas, a instituições caducas, sistemas de poder antigos e indispostos, sobretudo, a corrigir as desigualdades que, pelo menos em parte, alimentam as carteiras de quem os financia. Ao apresentar a sua candidatura contra o governador Andrew Cuomo, que procura candidatar-se ao seu terceiro mandato, Cynthia atirou a primeira salva: «Será ele um verdadeiro democrata?»

Olhar à distância não permite ver, no entanto, que Cynthia Nixon não chegou apenas esta semana à cena política. É verdade que nunca se candidatou a um cargo público, mas também é verdade que é há anos uma ativista de relevo na cena nova-iorquina, fazendo campanha pelos direitos da comunidade LGBT, pelo fim da segregação financeira nas escolas, pelo combate à desigualdade e, mais recentemente, por uma solução à mais profunda crise do estado: o funcionamento do metro. Estas, prometeu Cynthia Nixon na segunda, serão as principais bandeiras de uma campanha quase impossível. A Universidade de Siena publicou esta semana uma sondagem demonstrando que, apesar da sua celebridade, Nixon é somente conhecida por quatro em cada dez eleitores nova-iorquinos e que a sua campanha neófita encontra-se por estes dias a quase 40 pontos de distância de Cuomo, o filho de uma dinastia política que, de acordo com o New York Times, tem no cofre de campanha cerca de 30 milhões de dólares. «Espero que o Brad Pitt, a Angelina Jolie e o Billy Joel não entrem na corrida», lançou Cumou no mês passado, reagindo desdenhoso aos rumores de que Cynthia Nixon se candidataria. 

A popularidade é uma crise

A candidata às primárias democratas confronta-se com mais obstáculos do que aqueles que lhe sugerem as sondagens. O problema, em muitos sentidos, reside em Donald Trump, o yang das celebridades transformadas em políticos. Um analista ligado à campanha do rival Andrew Cuomo afirmou ao New York Times que as chances de Cynthia Nixon na corrida ao cargo de governador saem prejudicadas pelo advento de Trump, e não melhoradas pela sua chegada. Oprah cairia na mesma armadilha, caso se candidatasse à presidência no indisputável posto do ying da fama. Os democratas e eleitores liberais, afirma Jefrey Pollock, procuram por estes dias candidatos que «contrariem o que, aos seus olhos, é o caos produzido por aqueles que não têm experiência». «Desejam alguém com um currículo completo capaz de combater Donald Trump e os republicanos do estado», afirmou no começo da semana. Como se de uma câmara de eco se tratasse, um dia depois destas declarações, uma antiga assistente do presidente da Câmara de Nova Iorque, e ex-candidata também, comprovava as opiniões de Pollock: Cynthia Nixon, afirmou Christine Quinn esta semana, não passa de «uma lésbica sem experiência». «Ser atriz e celebridade não faz de alguém capaz de governar. Temos de abandonar as celebridades e abraçar uma liderança mais progressista.»

Quinn, ela própria lésbica – Cynthia, por seu turno, na verdade, é bissexual -, lamentou o comentário, mas, mesmo sob pressão, insistiu na crítica mais vasta, que esta semana se repetia no editorial do tablóide The New York Daily News. A experiência, afirmam, é a chave do sucesso contra a inócua onda dos radicais. O argumento, em todo o caso, foi mais recentemente lançado contra Bernie Sanders nas primárias nacionais pelos apoiantes da experientíssima Hillary Clinton, que afirmavam, recordando o derrotado democrata das eleições de 1988, Michael Dukakis: «Estas eleições não têm que ver com ideologia, mas com competência».