As desventuras de um monarca caído no esquecimento

Há uma certa aura de nostalgia – se não mesmo de encanto – que associamos aos monarcas depostos. Outrora ricos e poderosos, transformam-se em figuras trágicas e em representantes de um tempo irremediavelmente ultrapassado. 

Alguns foram executados sem dó nem piedade, como Luís XVI ou Nicolau II; outros prosseguiram a sua vida no estrangeiro, entre o luxo e as saudades da pátria, como Humberto IIde Itália, que viveu exilado em Cascais, ou Constantino da Grécia. Ocaso de D. Manuel II é um pouco diferente.

Nascido em 1889, no mesmo ano que Hitler e Chaplin (que curiosamente vieram ao mundo com uns meros quatro dias de diferença), presenciou o assassínio do pai e do irmão mais velho quando tinha apenas 18 anos. Subiu ao trono com o nome de Manuel II, o que parece uma cruel paródia: ao contrário do outro D. Manuel (o Venturoso), Manuel II, o Desventurado, teve um reinado marcado pela efemeridade e pela irrelevância.

A História de Portugal quase o ignora, remetendo-o a pouco mais do que um parêntesis entre o fim da monarquia (que, visto à distância, parece ter chegado com o regicídio) e a implantação da República.

Mas foi talvez justamente esse esquecimento a que a História o votou que me levou a querer saber mais sobre a sua vida e a adquirir a biografia D. Manuel II, o Último Rei de Portugal – A vida desconhecida no exílio, obra escrita, de forma algo insólita, por um espanhol, Ricardo Mateos Sáinz de Medrano.

Após dois anos e alguns meses de reinado, D. Manuelpassou a última noite em solo nacional no convento de Mafra, partindo da Ericeira no iate real, com uma escolta britânica – primeiro para Gibraltar, depois para Inglaterra, onde contou sempre com o importante apoio do seu primo Jorge V.

Como Sáinz de Medrano conta no seu livro, a vida na Grã-Bretanha ficou marcada por dois aspetos quase contraditórios entre si: uma intensa vida social e a aflição provocada por constantes problemas de cariz económico, dada a dificuldade em recuperar muitos dos seus bens que permaneciam em Portugal.

Excelente pianista, grande fumador e apreciador de belas mulheres, Manuel animava os serões da alta sociedade e assistia com frequência a torneios desportivos na companhia da família real britânica.

Mas não era um homem tão frívolo quanto muitos o julgam. Quando, aos 42 anos, morreu asfixiado em frente à sua mulher, encontrava-se a preparar o terceiro volume do seu Catálogo de Livros Antigos Portugueses, uma obra de referência nesta área. E mais: devia uma soma fabulosa aos mais conceituados livreiros de Londres. A sua viúva equacionou devolver os livros por falta de meios para os pagar, mas o recém-empossado chefe do Governo português, Salazar, não o permitiu.Arranjou como pagar as dívidas e constituiu a Fundação de Bragança. Essa importante biblioteca, recheada de preciosidades, encontra-se hoje em Vila Viçosa.