Um redondo Zero − glosando uma velha rábula

Em muitas organizações, os zeros são empurrados para cima pelos que estão em baixo

Quem já esteve envolvido no estudo das organizações foi, certamente, confrontado com o ‘paradoxo do zero’. 
De que se trata? Muitas vezes – e uma já seria demais – numa secção, num serviço, departamento, direção ou empresa, o líder é alguém desprovido das aptidões requeridas para o cargo. 

E o mal não se circunscreve ao mundo empresarial, estendendo-se, como mancha de óleo que alastra, vitimando tanto o setor privado como o público. Escolas, hospitais, repartições, postos da PSP ou da GNR, quartéis, associações recreativas, clubes desportivos, partidos, ministérios e até governos, podem, facilmente, ser vitimados por zeros absolutos.

Deixemos de lado os casos de colocação em postos-chave das chamadas ‘pessoas de confiança’ − parentes, amigos e comparsas – e fixemo-nos na dinâmica das organizações, onde podem identificar-se os fenómenos, estudados pela psicologia e pela sociologia, da comparação e da competição na luta pela ascensão. 

Podemos imaginar que as pessoas estão representadas por algarismos e encerradas num prisma de vidro que permite observar as movimentações no interior. 

Comprimidos numa base muito compacta, os elementos mais ativos começam a empurrar, a acotovelar e a calcar para conseguirem elevar-se ao patamar superior, onde se respira melhor e há mais visibilidade. Quando o segundo nível fica preenchido, nova luta se desencadeia para passar ao terceiro, e assim em cada um dos patamares. No final, os elementos do conjunto ficam distribuídos pelos diversos escalões da pirâmide, com esta estranha singularidade: não poucas vezes, no vértice está um ZERO, rodeado por outros zeros!

O fenómeno é fácil de explicar. Como os elementos do conjunto são representados por algarismos, os mais bicudos – o UM, o QUATRO e o SETE – têm dificuldade em subir, porque há sempre um concorrente que o prende pela cauda. Os que são redondos e bicudos – o DOIS, o TRÊS, o CINCO, o SEIS e o NOVE – progridem, mas lentamente: avançam quando usam a parte redonda, estagnam quando há alguém a travá-los. O OITO não tem bicos, mas o formato não ajuda à ascensão. Já os ZEROS sobem com facilidade: a pressão dos de baixo e o aperto dos lados empurram-nos sempre para cima. 

Olhamos para as empresas, as associações civis, as instituições militares, os partidos, os governos, a União Europeia, o BCE, a OCDE, o FMI, a NATO, a UNESCO ou a ONU… e quem é que está no topo? Pois é, muitas vezes – vezes demais – um redondo ZERO! 

Agora, a moral da história: de quem é a culpa? Pois claro: dos que estão por baixo, que empurraram os zeros da organização, e dos que estão ao lado, que preferem seja um zero o promovido, ou o eleito, porque, se fosse o NOVE, ficaria evidente a superioridade sobre os oitos, os setes e os seis, também candidatos. 

Daí, a solução mais pacífica: talvez o ZERO sirva! Perante a evidência da nulidade do escolhido, os preteridos recebem palavras de justificada consolação… e a paz regressa à organização.