China. Na pátria de Xi Jinping até a chuva que cai vai ter dedo do governo

O governo chinês está testar um sistema de modificação climática para o planalto do Tibete que, a ter sucesso, poderá aumentar a precipitação em dez mil milhões de metros cúbicos por ano: 7% do consumo de água na China

A teoria científica por trás do processo foi publicada em 2016 com o nome “Sky River: Discovery, concept, and implications for future research”, assinada por Wang Guangqian, De yu Zhong, Tiejian Li, Jiahua Wei, Yuefei Huang, Xudong Fu, Jiaye Li e Yu Zhang. Aí se explica o conceito de rio do céu: “Reanalisando dados meteorológicos, descobrimos que existem sistemas de transporte de vapor de água altamente estruturados na troposfera [a camada mais baixa] da atmosfera (…) o rio do céu é diferente do ‘rio atmosférico’, essencialmente porque é um sistema global em que o vapor de água é concentrado e transportado pelas circulações atmosféricas, em vez de fluxos de correntes transitórias e locais descobertas em anteriores estudos.”Um sistema de fornos espalhados no planalto do Tibete, ao longo de uma área equivalente a mais de 16 vezes o território português (1,6 milhões de quilómetros quadrados), é uma das grandes apostas da China para aumentar a produção de água no país. O plano criado por cientistas da Universidade Tsinghua de Pequim, e que está a ser desenvolvido pela empresa estatal China Aerospace Science and Technology, intitula-se Sky River, ou rio do céu.

O grande projeto de vanguarda que está a ser testado na zona montanhosa e de difícil acesso do planalto tibetano – berço da maior parte dos grandes rios da região (Amarelo, Yangtzé, Mekong, Salween e Bramaputra) e considerada muitas vezes o reservatório de água da Ásia – poderá aumentar os níveis pluviométricos na região em dez mil milhões de metros cúbicos. E, com isso, garantir cerca de 7% do consumo total de água no país, dizem investigadores citados pelo “South China Morning Post”.

Para isso é necessária uma vasta rede de fornos instalados nas montanhas tibetanas. Dezenas de milhares de pequenos fornos espalhados pelo planalto queimarão combustível sólido para o transformar em iodeto de prata, cuja estrutura cristalina é similar à do gelo, que será libertado e transportado pelas monções húmidas do sul da Ásia para formar nuvens e provocar chuva e neve. Quando o vento atinge as montanhas provoca correntes ascendentes que transportam as micropartículas do iodeto de potássio.

“Algumas vezes, a neve começa a cair imediatamente depois de ligar o forno. É como estar no palco de um espetáculo de magia”, explicou um dos investigadores ao diário de Hong Kong.

Até agora já foram colocados mais de meia centena de fornos no Tibete, Xinjiang “e outras áreas, para uso experimental”, refere o mesmo cientista. “Os dados que recolhemos mostram resultados muito promissores”, acrescentou.

Os fornos foram construídos com tecnologia avançada de fabrico de foguetões que lhes permite queimar combustível sólido de alta densidade em zonas de escassez de oxigénio nas montanhas altas, a mais de 5 mil metros de altitude. Um dos principais desafios prende–se com a capacidade de construir fornos que funcionem permanentemente sem manutenção – os acessos difíceis e as condições climatéricas adversas reduzem as possibilidades de reparação ou manutenção. Nos primeiros que se construíram, a chama apagava-se por causa da falta de oxigénio; os mais recentes conseguem aguentar meses e, provavelmente, anos com escassez de oxigénio e sem manutenção.

Garante o cientista citado pelo “South China” que o combustível usado é queimado de forma limpa e eficiente, libertando apenas vapor de água e dióxido de carbono. O equipamento de comunicações será alimentado por energia solar e os fornos serão operados por uma aplicação de telemóvel a milhares de quilómetros de distância. Os fornos serão operados de acordo com dados precisos, recolhidos por 30 pequenos satélites meteorológicos que farão a monitorização das monções no oceano Índico.

Este método, garante o investigador citado pelo jornal de Hong Kong, é mais vantajoso que os processos atualmente usados pela China para libertar iodeto de prata na atmosfera – canhões, drones, aviões. “Os outros métodos requerem o estabelecimento de zona de exclusão aérea. Isto pode ser demorado e problemático em qualquer país, sobretudo na China”, refere o cientista.

E há ainda a questão do custo. Cada vez que um avião destinado a fabricar chuva é usado, os custos ascendem a milhões de yuans e a área coberta é pequena. A China Aerospace Science and Technology conseguiu que cada forno tenha agora um custo de 50 mil yuans (6400 euros), e quando começarem a ser produzidos em grande escala, o seu custo descerá ainda mais.

O único senão deste novo método é que os fornos não funcionarão na ausência de vento ou quando o vento estiver a soprar na direção contrária.

Tanta água num sítio seco Curiosamente, apesar das correntes de ar ricas em água que passam por ele todos os dias, o planalto tibetano é um dos lugares mais secos do planeta. Na maior parte da sua área, os níveis de precipitação não chegam a 10 centímetros cúbicos por ano e, abaixo de 25 cm3, a zona é considerada um deserto. Tem é a segunda maior concentração de gelo do planeta.