O mar salgado

Não é preciso citar Pessoa, embora nunca seja demais. Como nunca é demais olhar o mar, o mar português, que transforma a pequenez do seu território num país de enorme dimensão – se em 2020 a ONU reconhecer a extensão da plataforma atlântica nacional, Portugal levará as suas fronteiras marítimas a uma área 40 vezes…

Não é preciso citar Pessoa, embora nunca seja demais. Como nunca é demais olhar o mar, o mar português, que transforma a pequenez do seu território num país de enorme dimensão – se em 2020 a ONU reconhecer a extensão da plataforma atlântica nacional, Portugal levará as suas fronteiras marítimas a uma área 40 vezes superior à das suas fronteiras terrestres, estando entre os 10 maiores países do mundo, à frente, por exemplo, da Índia.

E como também nunca é demais lembrar que Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné e São Tomé e Príncipe dominam o Atlântico Sul, consubstanciando gigantesco potencial para a porém insípida Comunidade de Países de Língua Portuguesa – sendo que àqueles se juntam Timor-Leste e o mar de Timor e Moçambique e sua não pequena plataforma marítima.

Dos dois parágrafos anteriores resulta evidente, desde logo, o enorme desperdício de recursos de quem deles tanto reclama pela escassez.

Vem isto a propósito da entrevista de António Saraiva na última edição do SOL, cruzada com a entrevista de Ana Paula Vitorino ao i já de há algumas semanas e complementada com a da semana passada à RTP.

António Saraiva acumula a presidência da CIP com a do Observatório da Cooperação na Economia do Mar.

Ana Paula Vitorino é ministra do Mar.

Um e outro têm em comum a aposta no oceano como recurso estratégico e fator decisivo para o desenvolvimento futuro.

Olhar para a Europa e para o mundo de costas voltadas para o mar é um erro.

A ‘economia azul’, dizem ambos, não pode ser um jargão que fica bem nos discursos de posse do Presidente da República e do primeiro-ministro, em conferências ou colóquios internacionais, nacionais ou regionais para que não se diga que o assunto está esquecido, ou no financiamento a fundo perdido de meia dúzia de projetos de ONG’s de ambientalistas ou cientistas para dar um ar politicamente correto, de modernidade e de progresso.

A economia azul tem de ser assumida, e desde já, como parte estratégica da economia real. De Portugal, da CPLP.

Se Paulo Portas ficou surpreendido em plena cerimónia de posse do Governo de Santana Lopes quando por este foi anunciado como ministro do Mar, Ana Paula Vitorino faz da pasta o seu cavalo de batalha, a sua confessada ‘paixão’.

E, se Ana Paula Vitorino dá expressão ao compromisso político do Governo com a aposta e o apoio à economia do mar enquanto setor estratégico para o futuro, António Saraiva acrescenta-lhe o compromisso empresarial e do interesse dos privados em lhe dar sequência ou consequência. Ou é agora ou, uma vez mais, voltaremos a adiar e a hipotecar futuro.

Se Portugal perdeu capacidade na marinha mercante e na frota pesqueira no final do século XX, iniciou o século XXI com um desenvolvimento exponencial no setor do turismo e na atividade portuária (Ana Paula Vitorino cita o incremento das receitas dos portos em 180% desde 2005).

Lisboa tem finalmente concluído o terminal de cruzeiros (com capacidade para se tornar ponto de partida e de chegada dos grandes operadores mundiais do turismo marítimo e interoceânico – oportunidade que não pode desaproveitar) e os portos portugueses tendem a tornar-se mais concorrenciais e competitivos (aliás, objeto de um dos mais silenciosos – porque inexplicavelmente arredado da agenda mediática – e ambiciosos investimentos deste Governo: o projeto de ligação ferroviária dos portos de Sines, Setúbal, Barreiro e Lisboa à rede de alta velocidade espanhola e europeia).

Não há ainda ao nível da navegação de recreio e não comercial uma aposta idêntica em matéria de marinas, transportes e serviços associados. Mas haveremos de lá chegar (assim como a Volvo Ocean’s Race já descobriu Pedrouços ou Gareth McNamara vai surfando nas ondas gigantes da Nazaré, mas com muito pouco proveito) – porque é essencial a renovação e construção de transporte marítimo (mesmo que especializado e regional) e da segurança marítima, bem como a melhoria das marinas como investimento estratégico e complementar à modernização da ferrovia.

Como não há aposta clara nas novas fontes de energia renovável offshore, na biotecnologia e na robótica marítima ou nas futuras alternativas ao petróleo e na exploração sustentável dos fundos oceânicos em todas as suas outras e tão diferenciadas vertentes.

Ana Paula Vitorino diz que não podemos viver só de ‘cidades postais’ – embora obviamente não descure a indústria do turismo -, e tem razão.

Portugal tem tudo para desenvolver a economia do mar, muito para além do turismo e da pesca (e em particular no reforço consistente da aquicultura).

Falta, diz a ministra, literacia oceânica. Faltará. Mas os pescadores têm-na. Há é muitos teóricos que não os ouvem.

E o mar está lá. Ou melhor, está aqui, na costa do país mais ocidental da Europa, onde a terra se acaba e ele começa.

Há é que investir e apoiar quem está disponível para esse investimento, com planeamento, com estratégia.

António Saraiva e Ana Paula Vitorino sabem-no. 

Ambos, curiosamente, têm outra coisa em comum: enfrentaram uma outra e ainda mais difícil batalha, a da luta contra o cancro. Ambos a venceram. E, embora não gostando de falar em público sobre os seus problemas de saúde, privados, também ambos confessam que a doença os consciencializou do caráter efémero das suas próprias vidas e da importância da perseverança e de… acreditar.

É verdade.

Já Pessoa dizia no mesmo poema da sua  Mensagem: Tudo vale a pena / Se a alma não é pequena.

E o mar é muito mais do que o sal das lágrimas de Portugal.

Há é que acreditar. E não desistir.