A floresta de enganos…

Os guardas florestais desapareceram em 2006, quando Costa liderava a pasta da Administração Interna

A ‘Fita do tempo’ é implacável. Por isso, nos incêndios de Pedrógão Grande houve quem a mandasse desligar, sendo agora alavancado para a Autoridade Nacional de Proteção Civil (pelo ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita – um ‘peso pesado’ fiel a António Costa). Apesar de lastimável, o comportamento do autor dessa façanha, à revelia das normas do Sistema de Gestão de Operações, foi agora recompensado. 

O movimento no xadrez da Proteção Civil ocorreu no mesmo fim de semana em que o Presidente da República e o primeiro-ministro arregaçaram as mangas e foram para o terreno, a pretexto de ‘sensibilizarem’ as populações para a limpeza da floresta – as quais já tinham sido intimadas a fazê-lo pela Autoridade Tributária, que descobriu uma nova e surpreendente vocação, a mando da ‘geringonça’.

A sabedoria popular costuma dizer que «depois da casa roubada, trancas à porta», com o risco agravado de, neste caso, a ideia parecer moldada como folclore de consumo fácil pelas câmaras de televisão, infantilizando as populações. 

Por uma vez, até Rui Rio saiu da sua zona de conforto – onde se instalou enquanto líder do PSD – para classificar a súbita devoção de Costa e do seu Governo aos trabalhos de campo como «uma ação de marketing», desenvolvida com o apoio lesto de Marcelo, que nunca falha.

 Nesta ‘causa nacional’, o pormenor da suspensão da ‘fita do tempo’ passou quase despercebido, como se fosse uma irrelevância. 

E não era. O corte pode ter evitado danos reputacionais maiores sobre a barafunda operacional e a incompetência na noite trágica de Pedrógão Grande. Sem a memória completa dos acontecimentos naquele período fatídico, fica tudo mais opaco e o ‘passa-culpas’ mais eficaz, dentro da melhor tradição da política à portuguesa. 

A incursão nas matas, com um luzido séquito, terá permitido ao primeiro-ministro em exercício mostrar que sabe pegar numa roçadora por escassos minutos, confiando que, doravante, ninguém o mace no Verão se a floresta voltar a arder.

Com o PCP e o Bloco à trela, e a maioria dos media obediente, recitando o discurso oficial, o Governo mostra a floresta e esconde a árvore. 

Intimam-se os particulares a limpar as suas terras, mas não há uma palavra sobre o desleixo que tem alastrado nas matas nacionais, onde se inclui a desativação dos postos de vigia e a extinção da carreira de guarda florestal. 

Recorde-se, a propósito, que os guardas florestais desapareceram do organigrama em 2006, quando António Costa liderava a pasta da Administração Interna, não se lhe pressentindo, já como primeiro-ministro, o menor interesse em reverter a medida. Seria, interessante, aliás, questioná-lo hoje sobre a lógica dessa e de outras opções controversas, desde o famigerado SIRESP à aquisição dos helicópteros russos Kamov, imobilizados e fora de serviço, talvez destinados à sucata. 

Dizer isto equivale a uma floresta sem vigilância, onde o Estado abdicou, também, das suas responsabilidades nas matas nacionais. 

O sacrifício do Pinhal de Leiria, mandado plantar há 700 anos, não aconteceu por acaso. Como não é por acaso que outras matas do Estado – como a do Parque Nacional da Peneda-Gerês ou da Tapada Nacional de Mafra -, são periodicamente delapidadas pelo fogo.

O ‘fim de semana de campo’ do Governo, no mais acabado estilo de propaganda socrática, constituiu um formato para uso mediático, que se esgotou mal as luzes se apagaram. 

Houve progressos nas ações concretas de limpeza e de prevenção? Decerto que sim. Di-lo o Presidente e não há razão para duvidar da sua palavra. Mas o saber-se que um dos comandantes operacionais em Pedrógão Grande foi agora nomeado para a Proteção Civil, é motivo bastante para desconfiar dos critérios e de tantas ‘juras de amor’ pela floresta. 

Há uma estranha amnésia que contagia o Governo da ‘geringonça’ quando se trata de assumir responsabilidades. 

É a mesma síndrome de que padece Sócrates, que se ‘esqueceu’ – enquanto palestrante convidado da vetusta Universidade de Coimbra – de que foi o seu Governo que conduziu o país à beira da bancarrota, e que foi ele quem vinculou Portugal ao memorando da troika e à austeridade que os portugueses ainda suportam. 

Sócrates finge não perceber o que levou a Justiça a incriminá-lo, e empurra com a barriga. A imagem edílica que procura cultivar dos governos socialistas (como hoje António Costa) contrasta com a perceção dos portugueses, revelada no último ‘World Happiness Report 2018’, um estudo das Nações Unidas que coloca Portugal entre os quatro países menos felizes da União Europeia. 

Mais infelizes do que nós, somente os búlgaros, os croatas e os gregos. Ou seja, os portugueses, lúcidos, sentem-se afinal descontentes no meio de uma floresta de enganos…