Livros e cultura

O acesso à cultura, à informação e ao conhecimento não pode estar exclusivamente assente na internet. É um exagero a desvalorização do livro e de outros instrumentos tradicionais de acesso a esses bens de manifesto interesse público

«A cultura tornou-se num sistema tão exigente quanto o abastecimento de água».

João Bonifácio Serra

N o final da semana passada, e durante esta que agora termina, muitos antigos alunos entraram em contacto comigo. Alguns de quem eu já nem tinha memória, tantos foram os anos passados sobre o tempo em que fui seu professor. 

Mas houve uma aluna que me sensibilizou de maneira especial. Porque se apresentou como sendo quem, há anos atrás, me pediu sugestões de livros indispensáveis para ler durante a vida. 

Assim, apesar de não estar no melhor momento para recordações do género, lembrei-me dela. Era uma aluna de mestrado, trabalhadora-estudante, que não faltava a nenhuma aula, já mãe, muito educada e empenhada no seu trabalho de investigação. 

Como muitos outros colegas para quem o estudo e a aquisição de saber era muito importante para a progressão pessoal e profissional. 

Um dia, quando abordávamos matérias da Antiguidade Clássica – em particular, a relevância da filosofia política na polis e na cultura política da época -, um seu colega (aluno de Erasmus da América do Sul) fez uma investida contra a perda de influência das ciências sociais, em prol da ortodoxia dos números. E da preponderância cada vez maior da economia em detrimento de áreas como a história, a sociologia, a história da arte, a cultura em geral. 

Nessa discussão profícua, o vaticínio de uns deu lugar à certeza de muitos de que o futuro iria ser da internet – com o fim do papel, da era dos livros, dos jornais e das revistas. 

Eis senão quando essa aluna diz que, se assim for, gostaria de ler em vida o máximo sobre várias matérias. Sobre várias áreas do saber. E assim surgiu a lista de livros que, segundo um seu professor, não deveria deixar de ler. Porquanto lhe proporcionariam não só bons conhecimentos mas também boa aquisição de saber e bons momentos. Uma espécie de mini biblioteca. Da história à economia. Da cultura e poesia às relações internacionais. Livros para uma vida. Onde biografias não faltavam. E onde a filosofia ocupava um lugar de destaque.

Durante anos nunca me cansei de sugerir aos meus alunos a importância de cultivarem o gosto pela leitura, pela cultura. Pela ida ao teatro, ao cinema, a museus, acompanhando vários tipos de arte clássica e de arte contemporânea. 

Aliás, eu e a minha mulher fazemos um grande esforço para que esses ‘bons hábitos’ estejam presentes na educação dos nossos filhos. 

Quanto ao resto, o contacto destes ex-alunos – e sobretudo desta antiga aluna -, passados já vários anos, permite concluir que nem os jornais nem os livros morreram ainda, bem como a referida internet vai ganhando cada vez mais força e importância (boa e má) nas nossas vidas.

Uma sociedade que não valorize a sua história e que não dê importância à cultura (nos seus mais variados tipos de manifestações) é uma sociedade sem futuro. Cultura e história estão umbilicalmente ligados, em termos de identidade e sentimentos de pertença. E são o cimento de valores de vida de países como o nosso. 

Daí que não faça sentido a cultura ser apenas e só para algumas elites. Antes pelo contrário. Mas até alguns dos novos críticos culturais e editoriais funcionam infelizmente em circuito fechado. Não sendo impiedosos para os seus – mas não poupando os que não querem que entrem no seu seio. Talvez porque as mentiras sejam mais fascinantes do que tudo o resto. 

Entretanto, vendo os números, Portugal continua na cauda dos índices de leitura comparativamente com outros países, apesar de, na última década e meia, se terem gasto milhões com campanhas de promoção da leitura, como o ‘porte pago’, entre muitos outros instrumentos criados para o efeito. 

E o mais grave é que tal acontece quando continuamos a ser dos países e povos que mais vêem televisão e reality shows. 

Aliás, este é um exemplo (entre outros) do que contribui para as dificuldades do segmento dos jornais e das revistas do nosso país. Um exemplo de terceiro mundismo no acesso a conhecimento, informação e cultura? Talvez. De uma coisa estou certo: seria importante que em Portugal a generalidade dos cidadãos tivesse mais e melhores hábitos de leitura, e não gastasse tantas horas com programas televisivos medíocres e com as redes sociais, em particular usando o generalismo como um modo de passar o tempo. Já para não dizer outras coisas.

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