Tuk tuks. As vidas ignoradas ao volante dos tuk tuks

É impossível não os ver nas ruas das principais cidades do país ao volante de pequenos veículos. O i foi perceber quem são e o seu dia-a-dia nas ruas lisboetas

São às centenas a circular pelas principais cidades turísticas do país, mas também são a face escondida de uma indústria em pleno crescimento. São as caras por trás do volante dos tuk tuks, ocupação que tem vindo para ficar. O i andou pelas ruas de Lisboa para perceber o dia-a-dia destes trabalhadores e quais os seus perfis. 

Para encontrar tuk tuks nada melhor que ir às “praças” nas zonas históricas de Lisboa. À espera de eventuais interessados nos seus tours, Cíntia Cardoso Pinheiro, de 34 anos e doutorada em Ecologia, recebe-nos com um sorriso na cara. Porquê este trabalho? “Depois de terminar o meu doutoramento fiquei desempregada por terem [o governo de Michel Temer] cortado 70% do investimento em pós-graduações e doutoramentos”, explica. 

Ao enviar currículos e contactar com amigos, recebeu de uma amiga de infância a proposta de vir para Portugal trabalhar como condutora de tuk tuks. Para Cíntia, aliou-se o útil ao agradável: “Gosto particularmente de fazer viagens e de pessoas e para mim isto está a ser uma ótima experiência”. No entanto, nem tudo corre às mil maravilhas. Por causa dos atrasos no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, é obrigada, há mais de cinco meses, a andar para todo o lado com o seu contrato de trabalho para o caso de as autoridades a abordarem. 

Não existe um perfil fixo de condutor de tuk tuks, bem pelo contrário. “Há pessoas com muita formação, há pessoas com pouca formação. Inclusive, há condutores que não falam português”, explica Maria Eugénia, nome fictício, de 55 anos e ex-jornalista. Para Telma Mendes, de 30 anos e a tirar licenciatura em Gestão de Empresas, muitas das pessoas que trabalham no setor fazem-no por “desespero”, para não ficarem sem rendimento. “Vejo casos em que claramente é por desemprego. Alguns até já foram taxistas”, refere. 

Nos oito meses de trabalho em tuk tuks, Cíntia já teve dois regimes contratuais: inicialmente, recebia 500 euros de salário base e cerca de 20% a 25% de comissão por tour. Hoje não recebe o salário mínimo mas 40 a 45% de comissão por cada tour que faz e desconta para a Segurança Social. 

A anterior situação contratual de Cíntia é similar à de Valentim Gaspar, de 20 anos e condutor de tuk tuks há quase um ano. Recebe o salário mínimo e, se ultrapassar os 500 euros, tem direito a mais 5% de comissão por tour. Bem diferente é a situação de Hugo Ferreira, 44 anos e engenheiro de sistemas de computação, que trabalha a recibos verdes, assegurando que o faz por escolha própria. “Sempre trabalhei assim”. 

Há até quem não tenha qualquer contrato, estando à experiência por três meses. “Estou à experiência nos primeiros três meses e só depois é que a empresa decide se fica ou não connosco”, diz Telma Mendes. “Disseram-me que faziam isto por haver muitos condutores que entram e saem”, complementa. O preço de cada viagem pode variar entre os 50 a 120 euros, dependendo do percurso e do número de passageiros, bem como da época do ano. 

Questionado sobre se a precariedade é uma normalidade neste setor, Hugo Ferreira diz não ter dúvidas. “Sente-se logo pelo facto de não se ter um contrato como deve ser e de estarem dependentes de conseguirem faturar ou não”, assegura. “São poucas as empresas – por acaso tive a sorte de trabalhar numa – que garantem o mínimo de 600 euros a quem não consegue ganhar à comissão”. 

O mesmo diz Maria Eugénia. “Em qualquer setor [em Portugal], inclusive na função pública, se não estiveres nos quadros danças. Esta atividade não foge à normalidade”. 

A ex-jornalista viu-se subitamente atirada para o desemprego e teve de procurar alternativas. A primeira resposta a um anúncio de emprego que recebeu foi precisamente a dos tuk tuks. “Pareceu-me que, se calhar, tinha de mudar radicalmente de vida”, explica. “Sempre fui uma pessoa que, se visse um turista perdido na rua, ia ajudar e levá-lo ao local”. 

ACT apanha irregularidades Em resposta ao i, a Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) afirma que nos últimos três anos inspecionou/visitou mais de 150 empresas do setor, detetando mais de 150 situações irregulares e instaurando mais de 80 processos de contraordenação.

Os problemas? Seja de dia ou de noite, é impossível não se ver tuk tuks a circularem pela zona turística de Lisboa. Segundo os condutores ouvidos pelo i, as horas de trabalho excedem normalmente o estipulado pelo Código de Trabalho, com referências a turnos de trabalho entre as 9h e as 12h diárias, principalmente se for no verão. No entanto, Ferreira garantiu que “é do seu interesse, não me é exigido”. Por outro lado, Eugénia diz que, se um condutor resistir no inverno, em que não há menos clientes e intempéries – o que torna o trabalho difícil do ponto de vista físico – no verão as coisas correm “às mil maravilhas”. 

É unânime que, se nos hotéis e o alojamento local sentem cada vez menos os efeitos da sazonalidade, o mesmo não se pode dizer do setor dos tuk tuks. Há mais turistas nas ruas portuguesas, mas, “os clientes continuam basicamente os mesmos e com as mesmas características”, ou seja, fazem poucas viagens, a que acresce o facto de cada vez existirem mais tuk tuks, diz Hugo Ferreira. O condutor é de Portimão e não poupa nas críticas à forma como o turismo está a ser gerido em Portugal: “Em vez de termos um turismo premium com menor quantidade e maior qualidade, estamos a encher por encher e a receita não é a expectável”. 

É precisamente por os efeitos minimizadores da sazonalidade ainda não terem chegado ao setor que o verão ainda representa o seu melhor período económico. “No verão podes fazer um, dois, três tours por dia. É altamente rentável”, diz Eugénia. No seu caso, recebe entre os 30% e 40%, o resto é para o patrão. “De verão cobramos facilmente 70 euros por hora, mas no inverno 50 euros são quase arrancados a ferro”, acrescenta Ferreira.  

Críticas As críticas aos polícias municipais repetem-se também entre os trabalhadores. Queixam-se de não terem lugares para estacionar e de serem mais facilmente multados do que os táxis e carros particulares quando mal estacionados. Em suma, de uma “perseguição”. Um dos condutores disse até que já ouviu polícias municipais chamarem aos condutores de tuk tuk “ratazanas de Lisboa”. “A nossa vida é muito dificultada pela Câmara”, diz Ferreira, referindo que a causa é fazerem concorrência direta ao Yellow Bus da Carris. Quando são multados, quem paga as multas? A empresa ou os condutores? “Em 99% dos casos são os condutores”, garante Ferreira. O caso de Valentim Gaspar pode ser a exceção à regra: é a sua empresa a pagar as multas, garante.