Angola namora Espanha. E daí?

Quem nos visita– venha de Angola ou da China − enriqueceu numa geração? E daí? 

A notícia de que as autoridades de Angola proibiram um encontro de empresários portugueses e angolanos, a realizar em Lisboa, para darem prioridade à visita do primeiro-ministro de Espanha a Luanda, foi pretexto, por cá, para se rasgarem as vestes em defesa da honra da Pátria. 

Passos Coelho tinha razão: somos piegas. Tão piegas como aqueles namorados que gemem: «Ela já não gosta de mim…». No final, a questão catalã obrigou o Sr. Rajoy a cancelar a deslocação, e o balão das emoções esvaziou. Podemos dormir descansados. 

Às vezes, tendemos a esquecer que as nações são soberanas. Mais do que remoer ofensas, Portugal deveria retirar ensinamentos e reagir de forma adulta: deixar as queixas e procurar mercados alternativos, porventura com maior potencial. 

As democracias maduras respeitam as opções das contrapartes, para poderem exigir respeito pelas suas, e recusam o fado das lamúrias, mais próprias de quem vive em estado de subalternidade. Na base de um diálogo feito de respeito mútuo e firmeza, as relações luso-angolanas retomarão o curso normal, se é que haverá alguma afetação em consequência do namoro de Luanda a Madrid. E não será de espantar se daí resultarem ganhos para o comércio entre Portugal e Angola.

Explico-me: os empresários angolanos vão experimentar uma forma de estar dos parceiros espanhóis muito diferente da amabilidade subserviente que costumamos prodigalizar a tudo quanto cheira a estrangeiro. 

E isso será visível quando ocorrerem ‘desencontros’, do tipo… reuniões frustradas, porque quem devia receber em Luanda está no Dubai, ou negócios que não podem ser fechados em Madrid porque a parte angolana mudou de planos e viajou para Londres. Mais surpresas haverá, quando ficar evidente que, em Espanha, o número de garrafas de espumante mandadas abrir em restaurantes e hotéis não tem outro resultado senão o valor impresso nas contas a pagar. 

A vinda de gente endinheirada, seja qual for o país de origem, é um bem que deve ser saudado, em vez de ativar os sentimentos de inveja, que estão plasmados do nosso ADN. Um mínimo de conhecimento de História faria calar as críticas aos processos de acumulação de capital, destiladas a propósito de uma ostentação escusada – mas que, é forçoso reconhecer, faz parte de uma cultura herdada do pior do novo-riquismo português. 

Quem nos visita – venha de Angola ou da China − enriqueceu numa geração? E daí? 

A formação da nossa ‘nobreza’ só foi diferente… no tempo. Em Portugal, os primeiros ‘oligarcas’ foram os que ajudaram Afonso Henriques nas conquistas. Dois séculos depois, Nuno Álvares Pereira recebeu quase metade do país, como ‘liberalidade’ de D. João I, pela bravura com que se bateu em Aljubarrota. Qual é a diferença? 

Porém, se os zeladores da moral e dos bons costumes quiserem obter ganho de causa no ‘tabuleiro’ das receitas do petróleo, então façam o favor de preparar uma boa explicação para o que D. João V fez com o ouro do Brasil.  
Tempos diferentes, práticas iguais. Se calhar… não há outras!