Internet. O jogo dos ‘almoços grátis’ pago com dados

Se lhe dissermos que existem produtos que podem ser adquiridos a troco de nada. Acredita? 

Pois bem, o mais provável é que já saiba tudo o que vamos escrever nas próximas linhas. Do acesso às redes sociais aos cartões de fidelidade de lojas e supermercados, que oferecem serviços ou até descontos, tudo funciona numa lógica gratuita. Acredita? Pode acreditar, desde que saiba que há uma base de troca. Tudo é acessível em troca, somente, de dados pessoais.

Ora, o utilizador é então uma forma de produto de troca. No entanto, muitas vezes não entende para que serve exatamente a informação dada ou como funciona o pagamento em dados.

No que respeita à vida na Internet, existem várias empresas que nos oferecem gratuitamente os motores de busca. Pode ler esta notícia ou outras, ver um jornal inteiro, saber como vai estar o tempo amanhã ou perguntar à melhor amiga, através do chat de uma rede social, se tem planos para logo à noite. Só aqui demos exemplos de vários serviços que usamos sem pensar. Tudo é gratuito. Acredita? Bem, também aqui existe a lógica do pagamento com dados. Aqui entra um termo que a maioria já conhece: os cookies.

Mas o que são e para que servem?

Damos um exemplo. Procurámos o site da Deco e recebemos a indicação: “Utilizamos cookies no portal. Ao navegar, está a aceitar a presente política e a consequente utilização de cookies de acordo com as condições descritas”. Logo de seguida temos a seguinte informação: “Os cookies são pequenos ficheiros de informação que ficam guardados no seu computador, tablet, telefone ou outro dispositivo com acesso à Internet, através do browser. As informações retidas pelos cookies são reenviadas ao servidor do site sempre que o browser abre uma das suas páginas”. Depois é explicado que é possível gerir os cookies, ainda que “ao desativar cookies, perde o preenchimento automático de alguns dados, como os de login. Além disso, pode impedir que alguns serviços online funcionem corretamente, afetando a navegação no site”. É apenas um exemplo. Os cookies estão em todo o lado.

Fomos ao Facebook. "Utilizamos cookies se tiveres uma conta do Facebook, se utilizares os Serviços do Facebook, incluindo o nosso site e apps (independentemente de estares ou não registado ou de teres sessão iniciada) ou se visitares outros sites e apps que utilizam os Serviços do Facebook (incluindo o botão Gosto ou as nossas ferramentas de publicidade). Esta política explica como utilizamos os cookies e as opções que tens disponíveis", pode ler-se. Para saber mais, é ter tempo para ler. 

Na verdade, cada vez que visitamos uma página recebemos inúmeros pedidos de instalação de cookies. A lógica é a da troca de serviços pela nossa atividade online. Há maneira de controlar para onde vão os dados? Muitos defendem que não. As opções que são colocadas ao utilizador não são muitas, podem ser enfadonhas e muito pouco úteis. O único recurso poderia ser não aceitar cookies, o que significa renunciar aos serviços.

De acordo com Gemma Galdon Clavell, doutora em políticas públicas e diretora de pesquisa da Eticas Research and Consulting, “No entanto, os corretores de dados não se limitam a cruzar detalhes do que compramos, com quem interagimos e do que gostamos. Esse comércio inclui também, e cada vez mais, relatórios médicos, dados fiscais e de renda ou bancários. O tipo de informação que pode determinar se nos concederão um crédito, se nos oferecerão um plano de saúde mais ou menos caro ou se conseguiremos um emprego. De repente, o preço pago com informações pessoais surge como algo totalmente desproporcionado e incontrolável”.

A questão dos dados é já muito antiga, mas a polémica voltou à ordem do dia depois do escândalo do Facebook. Ainda assim, os avisos já foram muitos ao longo dos últimos anos. Em 2010, por exemplo, Steve Jobs já tinha alertado para a privacidade na internet. “Privacidade significa que as pessoas sabem o que estão a fazer, em inglês simples e repetidamente. Eu acredito que as pessoas são inteligentes e algumas pessoas querem partilhar mais dados do que outras. Perguntem-lhes. Perguntem-lhes sempre. Façam com que eles vos digam para parar de perguntar se ficarem cansados. Deixem que saibam precisamente o que vão fazer com as suas informações”, defendeu Steve Jobs em 2010, durante uma conferência.

Aplicações com acesso a dados

O escândalo da Cambridge Analytica veio pôr preto no branco o que já se sabia: dados valem dinheiro e votos. A informação de mais de 50 milhões de pessoas foi usada sem permissão e o verniz estalou. No entanto, nem sempre os utilizadores sabem a informação a que estão a dar acesso e a quem. Nós somos testemunhas. Fizemos um teste e descobrimos que a maioria desconhecia ter aplicações associadas à conta desta rede social. Também não sabiam a que dados estavam a dar acesso. 

O procedimento é fácil, mas desconhecido para muitos utilizadores. Basta aceder a definições e carregar no botão Apps, do lado esquerdo. O resultado é: surpresa! Há aplicações para todos os gostos, com acesso a todo o tipo de informações, dependendo do utilizador e das aplicações. 

Uma petição pública, por exemplo, dá acesso ao e-mail, cidade, idade, entre outros dados. Mas existem outras aplicações que dão acesso a listas de amigos (a maioria), fotos, vídeos e eventos. e algumas até têm permissão para publicar em nome do utilizador. 

Claro que haverá sempre quem não queira saber ou não se importe. Mas há quem simplesmente não tenha ideia das informações a que dá acesso. A nossa amostra foi pequena, mas estamos a falar de uma rede social que no ano passado, em julho, ultrapassava a barreira dos 2 mil milhões de utilizadores mensais. Muitos defendem que este ponto ganha especial importância quando se percebe a quantidade de informações pessoais que estão nas mãos desta empresa. A somar a este número estão, então, os dados que são disponibilizados ao fazer login com o perfil de Facebook em algumas aplicações. O que acontece? Estas aplicações passam a ter acesso a alguns dos dados do utilizador. 

Sabendo que os dados valem dinheiro, é importante recordar ainda que o Facebook é dono de aplicações que não podiam ser mais populares. O Messenger conta com 1,2 mil milhões de utilizadores mensais, o WhatsApp tem cerca de 1,2 mil milhões e o Instagram soma mais de 700 milhões. Ora, a principal receita vem da publicidade e na publicidade ganha a corrida quem conhecer melhor o público a que se dirige. 

A memória tem tendência para ser curta; o registo na internet, não. Há exatamente um ano, uma pesquisa dava conta de que 83% das aplicações instaladas nos telemóveis acediam a contactos, fotografias, mensagens e chamadas. Por esta altura, a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) dizia: “As pessoas acham que o telemóvel é delas e ninguém entra. Não é verdade. Entra mais gente do que em sua casa.”