Eutanásia. PS quer que dois médicos bastem para aprovar processo

Anteprojeto de Maria Antónia Almeida Santos e Isabel Moreira levanta dúvidas no PS. Carlos César vai pedir a deputadas que “afinem” a proposta 

Eutanásia. PS quer que dois médicos bastem para aprovar processo

Carlos César vai pedir a Maria Antónia Almeida Santos e Isabel Moreira que afinem a proposta sobre eutanásia antes de a entregarem na mesa da Assembleia da República.

O i sabe que o líder da bancada parlamentar socialista deve chamar as duas deputadas na próxima semana para fazer algumas alterações ao texto do anteprojeto de lei que suscitou dúvidas no seio da bancada do PS.

Numa primeira análise do projeto, houve quem achasse mesmo que a proposta desenhada por Maria Antónia Almeida Santos e Isabel Moreira simplificava demasiado o processo de autorização da eutanásia.

“É um projeto menos garantista do que o do BE”, aponta um deputado socialista que, sendo favorável à morte assistida, questiona alguns pontos do texto que foi apresentado.

Um dos pontos que suscitaram dúvidas na bancada do PS tem a ver com o procedimento para que seja autorizada a eutanásia. No texto redigido pelas duas deputadas, basta que dois médicos – o clínico que acompanha o doente e um especialista na doença de que padece – atestem que se trata de uma doença letal e incurável, concordando com a eutanásia, para que o paciente possa requerer este procedimento.

Ora, esse é um procedimento muito mais simplificado do que o que está previsto na proposta do Bloco de Esquerda. O texto bloquista prevê que sejam necessárias cinco autorizações para que o processo tenha luz verde.

O BE pretende que o doente tenha primeiro de apresentar o pedido a um “médico responsável”, havendo depois uma consulta com um especialista na doença, que terá de confirmar que o problema de saúde não tem cura. Está ainda previsto que seja pedido mais um parecer a um psiquiatra se houver dúvidas de que o doente esteja em condições de pedir a antecipação da morte.

Ao longo deste processo, o projeto do BE prevê que o paciente vá deixando – a cada passo – um registo da sua vontade num “Boletim de Registos”. Caso o doente fique inconsciente em qualquer uma destas fases, o processo é anulado e só pode ser retomado se este recuperar a consciência e mantiver a sua vontade ou se a sua decisão constar já no seu “Testamento Vital”.

No final de todos estes procedimentos, o paciente terá já deixada a sua vontade registada por quatro vezes. Mas ainda terá de o fazer uma quinta vez no momento em que acordar com o médico responsável o dia, a hora e o local da eutanásia.

Maria Antónia Almeida Santos tem-se escusado a revelar pormenores sobre a proposta de que é autora. Mas, em declarações ao “Público”, defendeu que o anteprojeto de lei do PS é “mais garantístico e menos burocrático” do que o do BE, sublinhando que “as soluções apontadas não passam nem por mais médicos, nem por mais pareceres”.

Mas há outro ponto que levantou dúvidas entre os colegas da bancada socialista: o facto de a lei ser omissa sobre a sua aplicação em caso de doenças mentais como a depressão. As autoras do texto responderam às dúvidas levantadas frisando que o texto fala em “doenças letais”, mas há quem não se convença com essa explicação.

“Em última análise, uma doença que leve ao suicídio pode ser considerada letal. A lei deve deixar claro que a eutanásia não se deve aplicar a doenças mentais”, argumenta um socialista, que sublinha a importância de redigir “uma lei sem buracos” que evite interpretações duvidosas.

Essas e outras questões deverão estar em cima da mesa durante o processo de alterações a que o texto inicial deve ser submetido durante a próxima semana. São, de resto, essas dúvidas que explicam que o PS tenha falhado o prazo – anunciado por Carlos César – de apresentar uma proposta até ao final de março.

Depois de “afinado”, o texto – que recebeu já contributos dos deputados Alexandre Quintanilha, Pedro Bacelar de Vasconcelos e Fernando Anastácio – poderá ser subscrito por todos os parlamentares socialistas que nele se revejam, sendo certo que haverá liberdade de voto na bancada.

As dúvidas de costa O tema da morte assistida, que constava de uma moção aprovada no congresso do PS em 2016, divide opiniões no partido, apesar de a proposta de Maria Antónia Almeida Santos ter conseguido uma larga maioria de votos na comissão nacional.

“Eu, se fosse deputado… não tenho a certeza como votaria, sou-lhe totalmente sincero. Sei que não votaria contra, não sei se votaria a favor”, assumia António Costa em entrevista à Renascença, há um ano. Na altura, como numa entrevista recente à “Visão”, o líder do PS admitia que este é um “debate particularmente difícil, não por razões religiosas, mas por ser um otimista impenitente”, apesar de ter “uma posição de respeito pela liberdade de cada um” em matérias de consciência.