Vanessa. Discutir a relação com os tipos do Tinder

A Vanessa decidiu inscrever-se no Tinder. Mentiu na idade, mas ficou chocadíssima ao ter encontrado por lá o seu namorado do ciclo preparatório que tinha retirado mais de uma década à idade real. Agora, anda a discutir a relação com os gajos que conhece no Tinder.

E a Vanessa decidiu experimentar o Tinder. Sabem o que é o Tinder? É uma coisa expedita para acabar com a confusão que é conseguir encontros sexuais não pagos. Aquilo funciona segundo umas regras bastante básicas – “como/não como” – e é perfeitamente intuitivo. Se a pessoa acha que a outra é “comestível”, desliza o indicador para a direita. Se acha que está fora de hipótese, vira para a esquerda. Nunca o sexo tinha sido tão fácil. O velho e tradicional engate na discoteca, comparado com isto, é o equivalente contemporâneo ao namorar à janela. 

Claro que existem várias pessoas que dizem sonhar encontrar «o Amor» (sim, com maiúscula) no Tinder. Já foram feitas infindáveis reportagens sobre o assunto. Até já existe quem o tenha encontrado – curiosamente, é sempre o mesmo casal a falar em todos os jornais, sendo essa repetição a prova de que a situação é excecional.

Mas é verdade que o Tinder veio resolver alguns problemas para quem não sai à noite, tem uma vida social abaixo do sofrível e evita o sexo no local de trabalho, uma decisão que evita chatices mas reduz o universo de opções. Afinal, onde estão as pessoas, agora que o Facebook já começa a não ser o que era?

Foi a pensar nisto tudo que a Vanessa se inscreveu no Tinder. Lá arranjou uma foto razoável para se juntar ao catálogo de disponíveis, arranjou uma frase do género “à procura de amizades ou, quem sabe, algo mais” e mentiu na idade. Fogo, quem pode admitir ter mais do que 45 anos num catálogo cujo objetivo principal é uma “one night stand”? Está bem, todos sabemos que a Brigitte Macron não só faz sonhar o propriamente dito Macron como muitos outros, mas a vida é como é.

E o Tinder, caramba, também não é a vida real. É a versão moderna do ‘vê lá tu emborrachei-me sem querer e de repente acordei na cama com um tipo que nunca tinha visto’. E é assim que deve ser. Pelo menos, poupa-se o dinheiro do álcool e os males do fígado.

E então a Vanessa mentiu na idade no seu perfil do Tinder, mas ficou chocadíssima quando percebeu que não era a única.
– Vê lá tu que encontrei lá o Quinzinho, que foi meu namorado no ciclo preparatório. É incrível a lata dele! Sabes quantos anos ele diz que tem? 40!!!!!!! 
– Mas tu também dizes que tens 45. 
– Está bem, mas eu só retirei alguns anos! Agora como é que o Quim diz que tem 40? Ele consegue retirar mais de uma década!!! É uma vergonha! 
– Mas existe um código de ética do Tinder?, perguntei eu, só para a chatear.
– Não existe mas devia existir! É que há coisas que não se compreendem. 

A Vanessa parecia excessivamente dramática, que costuma ser um sinal para eu tentar fugir dali o mais depressa possível. E foi aí que eu respondi somente:
– Hum.
“Hum” é das partículas mais jeitosas da linguagem. Serve para imensos efeitos, é de uma polivalência imbatível.
– Ando com problemas com um gajo que conheci no Tinder. Não percebo ao certo o que ele quer. Temos andado a discutir a relação.

Aqui eu tive que dizer mais do que “hum”, embora fosse o “hum” que me apetecia responder.
– Vanessa, tu discutes a relação com gajos que conheces no Tinder?
– Oh pá, sim, qual é o mal? Se há problemas na relação não devem ser discutidos?
– Mas qual relação, Vanessa? Desde quando o Tinder serve para “relações” e para discutir “relações”? A ideia não é “fuck and go”? 
– Tu não percebes nada de nada. Eu discuto as minhas relações com quem eu quiser! Seja no Tinder, seja fora do Tinder. E, sim, o Tinder tem imenso potencial para discutir “a relação”. E a mim ninguém me tira uma boa discussão sobre “a relação”.