EUA. Trump sacrifica a caravana expiatória

O presidente americano agarrou-se a uma marcha de centenas de sul-americanos para fazer soar o alerta do muro que não construiu e das batalhas que não venceu. A caravana, no entanto, procura asilo sobretudo no México e não é o que Trump diz ser

O presidente norte-americano não desvia os olhos daquilo que para ele é um batalhão do exército inimigo, por estes dias aquartelado na cidade mexicana de Matías Romero, ainda muito a sul e não muito longe da fronteira da Guatemala. Donald Trump afirma que esse batalhão está a preparar uma tomada do território sul dos Estados Unidos. Diz também que não o pode travar sem o seu prometido muro, ajuda mexicana ou novos poderes judiciais. Fala, claro, não de verdadeiros soldados inimigos, mas de uma marcha com várias centenas de pessoas que procuram asilo no México ou Estados Unidos, e que viajam juntas para receberem ajuda de ativistas, evitarem que as autoridades os travem ou que bandidos os assaltem, como é habitual acontecer nesta rota migratória. Para Trump, todavia, é claro que os bandidos estão na marcha, e não em seu redor.

O caso das centenas de imigrantes e requerentes de asilo alegadamente em direção à fronteira americana explodiu primeiro nos meios conservadores que Donald Trump usa como diapasão político. Foi deles que o presidente recebeu no fim de semana o alerta sobre a agora célebre “caravana”, como os participantes lhe chamam. E desde então que o presidente americano se agarrou à dita caravana como prova de que a imigração dos países da América Latina para os Estados Unidos está descontrolada e que os supostos aliados mexicanos nada fazem para travar as hostes “perigosas” – palavras suas – mesmo quando se movem em grandes grupos. Donald Trump passou o fim de semana de Páscoa a exigir o muro na fronteira que o Congresso recentemente lhe negou e na terça-feira prometeu enviar militares da Guarda Nacional para travar as entradas pelo sul – proposta nada inédita: Barack Obama e George W. Bush fizeram isto mesmo.

Os ataques do presidente norte-americano distribuíram-se por vários tweets, declarações em vídeo e comunicações espontâneas à imprensa – por ocasião da visita de líderes da Europa do Leste, por exemplo. Donald Trump agarrou-se ao tema com uma tenacidade invulgar, embora tivesse arranjado tempo no seu fim de semana para se lançar também contra empresas como a Amazon, que acusa de estarem a manipular o eleitorado americano. Isto acontece porque a caravana de sul-americanos, na sua maioria cidadãos hondurenhos, surgiu no caminho de Donald Trump como um valioso bode expiatório para as derrotas domésticas. Duas publicações no Twitter demonstram-no com nitidez. “Está a tornar-se mais perigoso. Há ‘caravanas’ a caminho. Os republicanos devem servir-se da opção nuclear para aprovar leis duras. ACABOU-SE O DACA”, lançou numa. E noutra: “[O México] tem de travar os fluxos de pessoas e drogas, [caso contrário] acabou eu com a sua galinha dos ovos de ouro, NAFTA. PRECISAMOS DO MURO.”

A dita caravana

O presidente americano dispara contra três temas diferentes. Todos o incomodam, mas dois nada têm que ver com a caravana que está parada em Matías Romero. O DACA, por exemplo, o acordo através do qual os Estados Unidos concordam em não deportar cerca de 800 mil pessoas chegadas ao país em criança – algumas em bebé –, não abrange novas chegadas ao país há mais de dez anos e está sob negociações porque Donald Trump o revogou contra a vontade popular e até agora não viu forma de o remendar. O NAFTA está em debate, integra também o Canadá, e na caravana não há praticamente cidadãos mexicanos. O muro, esse, é o grande ponto sensível do presidente americano. Trump viu-se forçado a aprovar no mês passado um orçamento anual que ignorou por completo a sua barreira no sul e vem tentando há semanas reconquistar o eleitorado mais radical que ameaça abandoná-lo por não ver sinais da nova vedação. “Ele não está verdadeiramente investido”, dizia este fim de semana a comentadora ultraconservadora Ann Coulter, até agora sua apoiante incondicional.

A própria caravana não é o que Donald Trump quer fazer dela. Para começar, não é inédita. Realiza-se há cinco anos, sempre pelo início da primavera, e compõe-se sobretudo de requerentes de asilo, não de imigrantes ou gangues armados. É mobilizada pelo grupo Pueblo Sin Fronteras, que, é verdade, critica a imposição de fronteiras físicas entre os povos e ajuda grupos de imigrantes e requerentes de asilo em busca de um novo país, mas não promove o cruzamento da fronteira para os Estados Unidos, em parte porque é da opinião de que o país tem um sistema de asilo difícil e por vezes violento. O seu grande objetivo é oferecer aconselhamento jurídico e evitar que as autoridades travem a caravana antes de os seus participantes chegarem ao local pretendido. Neste último ponto, já falhou. Os ultimatos do presidente americano ao governo do México provocaram a intervenção das autoridades que, até este fim de semana, preferiam observar de longe a grande coluna de pessoas. 

Algumas dezenas foram já deportadas para as Honduras. A maioria, no entanto, encontrava-se ainda ontem em Matías Romero, onde prestava declarações a agentes mexicanos, pedindo asilo ou um livre-trânsito de 20 dias para se dirigirem a um gabinete mexicano de imigração ou seguirem viagem até aos EUA. Segundo afirmava esta semana o diretor do Pueblo Sin Fronteras, contudo, só cerca de 15 ou 20% do atual grupo de 1200 migrantes pretende cruzar a fronteira americana. Os restantes, assegura, querem ficar pelo caminho, na Cidade do México, por exemplo, ou pedir asilo noutra zona do país. “Não somos terroristas”, protestava Alex Mensing, em declarações ao “New York Times”. “Não somos anarquistas. Estamos a tentar ajudar as pessoas, informando-as dos seus direitos – que é uma coisa que, como seres humanos, devemos fazer. Procuramos soluções humanas e sensíveis”.