Taxas moderadoras são ‘inúteis’

O alerta foi deixado ontem em Lisboa por Charles Normand, da  OMS para a Europa. Pobreza e história de privação ainda pesam na saúde no país. Avaliação defende sistema menos ‘médicocêntrico’, em vários sentidos.

«As taxas moderadoras são, em termos técnicos, completamente inúteis.» O alerta foi feito ontem em Lisboa por Charles Normand, da Organização Mundial de Saúde para a Europa, na apresentação de uma avaliação ao sistema de saúde no país. Normand diz que, mesmo com as isenções que protegem parte da população, há casos em que as taxas são uma barreira. E não têm alterado comportamentos, o seu objetivo, sendo assim ‘inúteis’.

Esta é uma das conclusões do relatório entregue ao Governo. O ministro da Saúde, questionado pelo SOL, declarou que, no caso das taxas moderadoras,  «a doutrina divide-se», lembrando que uma das primeiras medidas do Executivo foi reduzir os valores alterados na passada legislatura. Agora, e até com o novo alerta, há abertura para reavaliar a questão, sempre com base em evidências, salientou Campos Fernandes, remetendo qualquer alteração para 2019. «Estamos abertos a rever taxas moderadoras para níveis de serviço onde possam ter efeito positivo. Se as pessoas tiverem menos custos nos cuidados primários, pode haver um incentivo de ordem económica para irem ao médico de família em vez de irem ao hospital».

Eventuais barreiras económicas ao acesso ao SNS são, aliás, um dos pontos sobre os quais irá debruçar-se a nova comissão do Ministério da Saúde apresentada ontem e que, até março do próximo ano, deve elaborar um ‘Livro Branco’ sobre o futuro do SNS. O grupo será liderado por Constantino Sakellarides, ex-diretor geral de saúde e consultor do ministério, que há muito critica o uso das taxas como co-pagamento do SNS.

Moral em baixo

O relatório Health System Review Portugal alerta que envelhecimento, doenças crónicas e o peso da pobreza e de uma história de privação na população portuguesa – que afeta sobretudo mulheres e crianças – são desafios marcantes no país. Quanto ao que importa corrigir, além do reforço de orçamento e investimento no SNS – até aproveitando parcerias público-privadas, admitem os peritos – há desequilíbrios latentes. O sistema ainda é muito ‘medicocêntrico’ e precisa de centrar-se mais nos doentes. E também de dar mais competências a enfermeiros e outros profissionais.

O rácio de enfermeiros para médicos no SNS é dos mais baixos na Europa, alerta o relatório. Normand disse ainda ter ficado com a perceção de que a moral dos profissionais do SNS está em baixo, o que se reflete no desempenho. «Há muita evidência de que os profissionais gostam de fazer um bom trabalho, mas também de poder pagar umas boas férias». Quanto ao impacto da austeridade dos últimos anos, há repercussões, mas «podia ter sido pior», declarou. «Portugal é provavelmente um melhor sítio para adoecer do que a Grécia», ironizou Normand.