Alemães dão um tiro na justiça espanhola

O tribunal alemão de Schleswig-Holstein decidiu que não houve crime de rebelião, segundo a legislação alemã, na Catalunha e libertou, sob fiança, o último presidente da Catalunha.

Carles Puigdemont já está em liberdade. Ao sair da prisão alemã de Neumünster, na sexta-feira, o presidente do último governo autonómico da Catalunha apelou para que todos os políticos catalães presos fossem libertados das prisões espanholas. «Peço a imediata libertação dos companheiros que continuam nas prisões espanholas», e sublinhou, «é uma vergonha para a Europa ter presos políticos», disse, depois de agradecer os apoios que teve em vários países, nomeadamente em Portugal. 

Depois da intervenção de Puigdemont falou o seu advogado alemão, Wolfgang Schomburg, que fez o balanço da decisão do tribunal germânico que permitiu a saída do presidente catalão sob fiança de 75 000 euros: «O tribunal disse com palavras muito claras que este delito de acusação espanhola [o delito de rebelião] num Estado democrático como a Alemanha não é um delito aceitável». Sobre a acusação de corrupção e má utilização de fundos, que ainda se mantém em análise pela justiça alemã, e que consta do pedido de entrega de Puigdemont à justiça espanhola, o jurista alemão fez notar: «Não se pode descartar que haja extradição», mas acredita que isso não vá acontecer. 

Esta decisão da Audiência Territorial de Schleswig-Holstein tem várias implicações para a justiça espanhola: primeiro, enfraquece internacionalmente a tese de que houve crime de rebelião dos políticos catalães. Na quinta-feira à tarde, a audiência territorial de Schleswig-Holstein descartou que, segundo a legislação alemã, o presidente catalão pudesse ter cometido um crime de rebelião, afirmando taxativamente que, na Alemanha, a atuação de Puigdemont não era crime por não ter havido violência – um facto que põe em causa a apreciação dos critérios da justiça espanhola pelos seus congéneres europeus. Recorde-se, que mesmo em Espanha, o crime de rebelião implica a existência de violência armada. Acontece que tanto o juiz do Supremo Tribunal Pablo Llarena como os magistrados da Audiência Nacional espanhola têm acusado os independentistas catalães desse crime, considerando que o processo de separação de Espanha levaria inevitavelmente à existência de violência armada – o que faz a justiça espanhola cair no domínio da ficção científica, prevista por Philip K. Dick em «Minority Report»: as autoridades punem preventivamente crimes que não aconteceram; em segundo lugar, causa um problema de natureza de igualdade perante a lei: mesmo que Puigdemont seja extraditado, caso o tribunal alemão ache que a acusação de corrupção e de má utilização de dinheiros possa ser aceitável, isso implica que o presidente catalão só pode ser julgado em Espanha por esses crimes, ao  contrário de todos os outros réus presos em Espanha. Foi por isso que o juiz do Supremo Tribunal espanhol Pablo Llarena justificou ter desistido do pedido de extradição para a Bélgica. 

É por essa discrepância entre os países europeus democráticos com uma efetiva separação de poderes em relação à justiça espanhola, que leva a imprensa de Madrid a protestar e o juiz Pablo Llarena ameaçar recorrer da decisão da justiça alemã para os tribunais europeus. 

Na sexta-feira o ABC titulava ao espaço de toda a primeira página: «A justiça europeia dá ar ao golpismo», com um Puigdemont com a cara parcialmente escondida, como se fosse um terrorista, com a bandeira alemã. Menos de uma semana de ter feito uma primeira página em que garantia: «A Alemanha assinala o caminho de volta aos golpistas fugidos.

Por seu lado, o  juiz Pablo Llarena e o Ministério Público espanhol, que depende diretamente do Governo, estudam recorrer desta decisão para o Tribunal da Justiça da União Europeia. Os magistrados espanhóis defendem que a a Alemanha tem de entregar Puigdemont sem analisar o conteúdo do pedido.