Zlatan Ibrahimovic. O Benjamin Button chegou ao palco perfeito

Aos 36 anos, um dos mais desconcertantes – e talentosos – futebolistas das últimas décadas deixou a Europa e baixou o salário em 95 por cento para se aventurar nos Estados Unidos. Na estreia pelos La Galaxy, seis minutos em campo e um golo monumental. A bicicleta de Ronaldo à Juventus? ‘Foi um bom golo……

Zlatan Ibrahimovic. O Benjamin Button chegou ao palco perfeito

A semana que passou teve um golo monumental de Cristiano Ronaldo, uma obra de arte que irá perdurar para sempre nos anais da história. O mundo do desporto rendeu-se à bicicleta monumental do CR7 contra a Juventus – até grandes figuras de outras modalidades, como LeBron James, não se coibiram de manifestar a sua incredulidade com o golaço do português, que se elevou até aos 1,41 metros de altura, com o pé a uns impensáveis 2,38 metros no momento do remate, num gesto técnico perfeito. «Foi seguramente o meu melhor golo. Um golo de gala», realçou Ronaldo, aplaudido inclusive por adeptos adversários.

Ainda assim, houve quem não se mostrasse tão impressionado: «Foi um bom golo, mas ele devia tentar fazer um igual a 40 metros da baliza.» A ‘boca’ pertence a outra figura lendária do futebol mundial: Zlatan Ibrahimovic, possivelmente um dos únicos futebolistas com moral para dizer algo do género. Neste caso, por exemplo, o astro sueco reportava-se ao golo extraordinário que apontou em 2012, ao serviço da seleção, num particular com a Inglaterra – também ele digno de figurar nos registos dos melhores golos de sempre.

Mas não foi só Ronaldo a marcar um golo formidável nos últimos sete dias. No passado sábado, o próprio Ibrahimovic apontou um golo tremendo na estreia na MLS (Liga dos Estados Unidos), um dia e um treino depois de chegar aos Los Angeles Galaxy: lançado aos 71’, com a sua equipa a perder em casa por 3-1 no dérbi com o recém-formado Los Angeles FC, Zlatan só precisou de seis minutos para marcar um golo de antologia: um chapéu de primeira, quase do meio campo, completamente sem preparação – e nos descontos, de cabeça, ainda selou a reviravolta total para a sua equipa (4-3).

Uma primeira aparição digna do palco que irá pisar nas próximas duas épocas, ali a paredes-meias com Hollywood. Era o primeiro momento Zlatan na MLS. No fim do jogo, veio o segundo. «Ouvi os adeptos a gritar ‘Queremos o Zlatan’ e por isso, decidi dar-lhes um bocadinho de Zlatan», disparou, bem ao seu estilo, o homem que na apresentação no novo clube se comparou a uma personagem celebrizada por Brad Pitt no grande ecrã – em Hollywood, lá está: «Sinto-me como Benjamim Button: nasci velho e morrerei novo. Não se preocupem com a minha idade. Quando cheguei a Inglaterra, consideravam-me velho. Três meses foram suficientes para conquistar o país.»

Modesto? Nunca foi. E talvez tenha legitimidade para ser como é. Ao todo, são 31 os títulos já conquistados no futebol, entre Holanda (Ajax), Itália (Juventus, Inter de Milão e AC Milan), Espanha (Barcelona), França (PSG) e Inglaterra (Manchester United) – faltou-lhe a Liga dos Campeões, provavelmente a maior mágoa. É ainda o maior goleador da história da seleção da Suécia (62 golos em 116 jogos), e terá sido também pela equipa nacional do seu país que aceitou esta mudança para os Estados Unidos.

Mundial e a Lei Beckham

A explicação é simples – embora Zlatan não o admita abertamente: o Mundial. No fim do Euro 2016, depois de mais uma participação tristonha da Suécia, o herói da nação anunciou o adeus à equipa nacional. Aos 34 anos, parecia ser o passo certo. O ‘problema’ é que a Suécia conseguiu o apuramento para o Mundial da Rússia pela primeira vez desde 2006, eliminando de forma surpreendente a Itália nos play-off, e Zlatan reconsiderou: de repente, poder disputar mais um Campeonato do Mundo tornou-se uma ideia muito, muito aliciante.

No Manchester United, esse cenário estava posto de parte. Ibrahimovic já estava a jogar muito pouco esta época – sete jogos (só dois a titular), o último dos quais em dezembro. Em Los Angeles, é uma questão de dias até ser ele e mais dez – mesmo como gosta -, sendo altamente expectável que os golos voltem a chover em catadupa. E se assim for, até serão os responsáveis suecos a ir buscá-lo ao aeroporto a Los Angeles…

Esta ideia é facilmente percetível quando se percebe que Zlatan aceitou reduzir o salário em 95 por cento (sim, o leitor leu bem) para assinar pelos LA Galaxy. A informação foi veiculada pela revista Sports Illustrated: dos 21,8 milhões de euros anuais que auferia no Manchester United, o avançado sueco passou a ganhar… 1,2 em Los Angeles. E mais surreal se torna ao ouvir o que disse Jovan Kirovski, ex-avançado (passou em 2000/01 sem sucesso pelo Sporting) e hoje coordenador técnico dos Galaxy: de acordo com o antigo internacional norte-americano, Ibrahimovic terá rejeitado uma proposta de 79 milhões de euros… por época, proveniente da China.

Colocado perante os números envolvidos nas duas propostas, Zlatan não hesitou e aceitou a oferta dos norte-americanos. “Dinheiro não me falta”, terá dito o sueco, para espanto do seu agente, o não menos polémico Mino Raiola.

Nos Estados Unidos, cada equipa da MLS tem de respeitar o teto salarial obrigatório definido pela Liga. Há, contudo, lugar a exceções, ao abrigo daquela que, em 2007, ficou conhecida como a Lei Beckham: cada equipa pode ter três jogadores com salários que excedam esse teto. A contratação do antigo internacional inglês (tão bem sucedido em campo como fora dele) pelos Galaxy em 2007 deu o mote para esta regra, numa tentativa da MLS de se abrir ao grande mercado futebolístico mundial.

Assim conseguiu atrair nomes como Thierry Henry, Gerrard, David Villa, Giovinco ou Schweinsteiger – além do português Pedro Santos, que cumpre esse papel no Columbus Crew desde a época passada. Os Galaxy, contudo, já têm os três lugares ocupados pelo avançado francês Alessandrini e pelos irmãos mexicanos Giovani e Jonathan dos Santos. Zlatan, ao contrário do que se poderia esperar, não se importou com isso e agarrou a oportunidade de se mostrar na mais glamorosa liga do mundo. É verdade que não vai ganhar muito – pelo menos não para alguém da sua craveira -, mas também é um facto que o mediatismo e a personalidade desconcertante e irreverente deste praticante de artes marciais nos tempos livres lhe irão valer certamente muitos milhões em campanhas publicitárias num país que respira e suspira por pessoas que gostem de causar impacto. E para isso, escolheram o homem certo.