O ministro das Finanças, Mário Centeno, é um fingidor.Faz um Orçamento, negoceia-o com o Bloco de Esquerda e com o Partido Comunista (pois com o PS não precisa de negociar nada), mas tem a perfeita consciência de que se trata de uma ficção.
Finge que vai gastar isto e aquilo neste e aquele setor – ‘x’ na Saúde, ‘y’ na Educação, ‘z’ nos Transportes, etc. – mas já sabe de antemão que não os gastará, pois à partida prevê cativações em todas essas rubricas.
E o PCP e o BE fingem que acreditam no Orçamento que lhes é apresentado pelo Governo para aprovação, sabendo perfeitamente que ele não vai ser cumprido.
É um jogo de enganos, em que todos colaboram.
E que é um bom exemplo do fingimento que marca em diversas áreas as relações entre os partidos da ‘geringonça’.
Nos impostos passa-se mais ou menos a mesma coisa.
O Governo fingiu baixar os impostos e devolver rendimentos às pessoas, com toda a esquerda a colaborar na divulgação desta ‘mensagem’.
Mas isso só aconteceu naquilo que é ‘visível’; no que é ‘invisível’ sucedeu exatamente o contrário.
Nos impostos indiretos – aqueles que as pessoas não vêem, que não figuram no boletim do IRS ou na folha de salário – o Governo vai buscar mais dinheiro do que aquele que devolve.
Nem podia deixar de ser assim – pois o dinheiro tem de vir de algum lado.
O truque consistiu na forma de fazer as coisas: o Governo começa por restituir rendimentos com grande aparato e depois retira-os à socapa.
Deste modo, a cobrança de impostos bateu no ano passado recordes em valores absolutos e valores relativos.
Mais de 42 mil milhões de euros!
É certo que este gigantesco montante se deveu também ao crescimento do PIB, «o maior do século», como gosta de dizer António Costa.
Quando a economia aquece, o valor da receita fiscal naturalmente aumenta.
Acontece que o PIB cresceu no ano passado 2,7%, ao passo que a receita fiscal aumentou 4,8%.
Não foi o dobro, mas quase.
Ou seja, o ritmo de aumento dos impostos cobrados foi muito superior ao do crescimento da economia.
O «brutal aumento de impostos» decretado por Vítor Gaspar em 2012, e violentamente atacado pelos partidos que hoje suportam o Governo (PS, PCP e BE), não só não foi suavizado como foi agravado.
Ao pé de Centeno, Gaspar era um menino de coro.
E na CGD passou-se um fenómeno semelhante.
O primeiro-ministro e o ministro das Finanças garantiram, vezes sem conta, que a recapitalização da CGD não teria implicações no défice.
Julgo que chegaram mesmo a dizer que teriam garantias das instituições europeias de que seria assim.
Ora, a decisão chegou agora e verificou-se precisamente o oposto: os 3,9 mil milhões metidos na CGD fizeram subir o défice de 0.9% (resultado excelente, em qualquer caso) para 3,0%.
Não está em causa a recapitalização da Caixa.
O que está em causa é o permanente fingimento.
A ideia de que o Governo tem o propósito deliberado de iludir as pessoas.
E também interessante é o facto de os partidos da esquerda colaborarem sistematicamente neste fingimento.
Imagine-se o que o PCP e o BE não diriam do apoio que o Governo tem vindo a dar aos bancos – para tapar buracos no Montepio, no Banif, no Novo Banco – se o primeiro-ministro ainda fosse Passos Coelho.
Como fizeram noutras ocasiões, gritariam que o Governo «rouba às pessoas para salvar os bancos».
Agora, porém, a esquerda não grita.
Diz umas coisas no Parlamento mas não faz espalhafato.
E também aqui não se questiona o capital injetado nos bancos: se o Governo o não fizesse, a situação poderia ser muito pior, com os depositantes a perderem as suas economias e uma situação de desconfiança generalizada em relação à banca.
O curioso nesta história é a mudança radical de posição da esquerda, mostrando que em política tudo é relativo.
Vivemos num tempo de fingimento.Mas agora o fingidor-mor não é o poeta mas um ministro.
Que finge tão completamente que chega a fingir que devolve aos portugueses o dinheiro que efetivamente lhes retira.
P.S. – A detenção de Carles Puigdemont na Alemanha foi uma questão muito grave. Ele está acusado de rebelião e peculato pela Justiça espanhola, o que é uma farsa: não usou de violência, não apelou à violência, nem usou dinheiros públicos em proveito próprio. Limitou-se a fazer aquilo para que foi mandatado democraticamente pelo povo.
Não vale a pena iludir os factos: Puigdemont é hoje um exilado político, numa Europa que sempre recebeu amigavelmente os exilados políticos – os portugueses que o digam. No tempo de Salazar, foram muitos os que emigraram para França, para a Bélgica, para a Alemanha, por questões políticas ou fugidos à tropa. Nunca foram perseguidos. A detenção de Puigdemont abriu um perigoso precedente. Felizmente, a Justiça alemã apercebeu-se a tempo do passo em falso.