Um chuto no Estado

Num dia é o aborto gratuito, noutro dia as mudanças de sexo, a seguir as salas de chuto, ontem foi o casamento gay, amanhã poderá ser a eutanásia, e depois de amanhã o suicídio.

Cumprindo mais um ponto da agenda fraturante do Bloco de Esquerda, o vereador bloquista na Câmara de Lisboa avançou com a criação de salas de chuto, que desde 2001 existiam no papel mas nunca tinham daí passado – o que quer dizer alguma coisa… 
Trata-se de uma decisão lamentável. Uma das principais funções do Estado é dar sinais à sociedade sobre o que está certo e o que está errado. É apontar aquilo que é aceitável e o que não é aceitável. Em suma, é distinguir o bem do mal.
Ora, sendo o consumo de drogas uma coisa inquestionavelmente má, uma chaga social, uma praga que destrói seres humanos e as respetivas famílias, o Estado não pode ser cúmplice dessa prática. Não lhe pode dar cobertura e apoio.

Com a criação das salas de chuto, o Estado diz no fundo às pessoas: droguem-se neste local, pois aqui fá-lo-ão ‘em segurança’. Ora, isso é um enorme logro. Dar a entender às pessoas que podem drogar-se sem correr riscos é um embuste – porque a própria droga (e estamos a falar de drogas duras) é um caminho sem regresso. 
Ao criar nos toxicodependentes a ilusão de que, se se injetarem nas salas de chuto, não correrão perigo, o Estado está a fazer um convite para se drogarem. Está a tranquilizá-los quanto ao consumo de heroína ou barbitúricos. 
Criando salas para os indivíduos se drogarem em ‘boas condições’, o Estado está a colaborar num suicídio lento, está a participar num crime.

Estas políticas inserem-se naquilo a que um dia chamei as ‘políticas de capitulação’. Ou seja: o Estado desiste de combater certos fenómenos, embora saiba que são maus, e acaba por apoiá-los, o que é absurdo. 
É como se, não podendo acabar com o roubo, o Estado ajudasse os ladrões a roubar de forma ‘segura’, sem danos materiais para terceiros nem danos físicos para eles e para a Polícia. ‘Roubem aqui, mas não façam estragos – e a gente até lhes dá cobertura’. 
É como se a um suicida o Estado dissesse: ‘Não te suicides assim, com dor, nós ajudamos-te a suicidar-te sem custar nada. Em perfeita segurança’.

Ainda por cima, a medida não é consensual. João Goulão, um especialista no tema, dizia há dias ao DN: «Já fui um entusiasta defensor da instalação destas salas, mas hoje tenho muito mais dúvidas. Tendo sido possível reduzir os consumos com outros dispositivos, não sei se será o mais adequado».

Mas, mesmo que funcionasse, não seria aceitável. A lei não tem por função ser pragmática. A lei deve assentar em princípios. E são exatamente os princípios em que assenta a nossa Civilização que esta medida vem pôr em causa. 
Na linha, aliás, de todas as outras que têm baralhado por completo as nossas principais referências.

Antes havia uma linha divisória clara entre a vida e a morte. Mas com a liberalização do aborto e a inevitável legalização da eutanásia, essa linha desapareceu. Já não é uma linha mas uma zona nebulosa. Ao aceitar que até aos dois meses e meio uma vida pode ser interrompida, ou que se lhe pode dar fim antes de expirar, estamos a entrar num terreno muito pantanoso. 

Onde é que isto nos levará? Até quantas semanas será possível amanhã abortar? E até que ponto será possível conseguir que um médico acabe com a vida de uma pessoa curável porque outras lhe cobiçam a fortuna?

Abrimos uma caixa de Pandora – e nunca mais a fecharemos. Num dia é o aborto gratuito, noutro dia as mudanças de sexo (que dentro em pouco serão possíveis a partir dos 16 anos), a seguir as salas de chuto, ontem foi o casamento gay, amanhã poderá ser a eutanásia, e depois de amanhã o suicídio. Tudo simples, fácil e gratuito. 
Antes, um indivíduo era homem ou mulher. Não havia dúvidas. Agora não se sabe bem o que é. Pode ser homem mas ter nascido mulher e vice-versa.

E o mesmo vale para o casamento. Antes, o casamento era uma união entre um homem e uma mulher. Hoje não se sabe bem o que é. E já há quem defenda o poli casamento, ou seja, o casamento de várias pessoas entre si.

Enfim, tudo é relativo, escorregadio, duvidoso. E é neste território que os pescadores de águas turvas – como os dirigentes do Bloco de Esquerda – gostam de se mover.