Comandos. Indícios “muito fortes” levam 19 militares a julgamento

No ano passado, 19 militares foram acusados de abuso de autoridade e ofensa à integridade física na sequência da morte de dois recrutas do 127.º curso dos Comandos. Ontem, o Tribunal de Instrução decidiu que todos os arguidos têm de ir a julgamento

Os 19 militares que foram acusados no processo relativo à morte de dois recrutas do 127.º curso de Comandos vão mesmo responder em tribunal pelos crimes de abuso de autoridade e ofensas à integridade física. Ontem, durante a leitura da decisão instrutória, a juíza Isabel Sesifredo, do Tribunal de Instrução Criminal, afirmou que “nesta fase processual, os indícios são muito fortes para não pronunciar os arguidos”.

Na sala onde foi lida a decisão, além dos militares fardados, estiveram também familiares dos dois jovens que morreram em setembro de 2016 – Hugo Abreu e Dylan Silva. A juíza de instrução descartou que em causa pudessem estar crimes civis, como pediam os advogados dos arguidos, justificando que os mesmos aconteceram num contexto militar.

Isabel Sesifredo considerou que a acusação, cujo despacho foi conhecido no verão de 2017, é detalhada e precisa, descrevendo muitos factos – segundo o Ministério Público estão em causa 489 crimes de abuso de autoridade e de ofensa à integridade física cometidos pelos arguidos. Os incidentes aconteceram no início de setembro de 2016 em Alcochete, Setúbal.

Da investigação do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, a cargo da procuradora Cândida Vilar, resultou que os 19 militares – oficiais, sargentos e praças do Regimento de Comandos – agiram com “manifesto desprezo pelas consequências gravosas que provocaram nos ofendidos”.

MP defende que militares abusaram de deveres funcionais

Em fevereiro, já durante a fase de instrução, a procuradora Cândida Vilar tinha pedido que os militares fossem pronunciados, ou seja, levados a julgamento pelos crimes que constavam na acusação.

“Trata-se de crimes cometidos por militares contra militares durante uma prova do curso de Comandos. Abusaram dos deveres funcionais e da disciplina militar. Provocaram graves lesões físicas e neurológicas nos ofendidos e, em duas situações, a morte de dois subordinados”, referiu a magistrada do DIAP de Lisboa que conduziu a investigação.

Nessa altura, Cândida Vilar não quis fazer qualquer alteração à acusação proferida, reiterando existirem indícios suficientes para levar todos os arguidos a julgamento.

Além de terem morrido Hugo Abreu e Dylan Silva, ambos com 20 anos, outros recrutas daquele edição do curso de Comandos ficaram com ferimentos e lesões com alguma gravidade.

Associação de Oficiais lamenta e fala em culpa política

Dizendo não por em causa a Justiça, o presidente da Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA), António Mota, disse ontem ao “Diário de Notícias” que é triste que neste julgamento só estejam militares.

Isto por considerar que, neste processo, “independentemente de [os militares] terem ou não culpa”, tinham de ir a julgamento também representantes do poder político.

“Há muitos indícios de que a situação terá tido as consequências que teve devido ao desinvestimento forte que tem havido nas Forças Armadas”, afirmou, referindo que um desses exemplos é a falta de tendas refrigeradas.