10 de abril de 1962. Sophia, Sophia, Sophia, no reino de Maria, Maria, Maria

“West Side Story” tomou conta dos Óscares com 10 estatuetas. Mas a de melhor atriz foi para Sophia Loren, Sofia Constanza Brigida Villani Scicolone, romana e linda, que aos 17 anos fora figurante de “Quo Vadis” e ganhou um milhão para ser Lucila em “A Queda do Império Romano”, megaprodução que contou com um português…

Era bem cedo pela manhã, em Roma, quando um grupo de amigos de Sophia Loren lhe invadiu a casa. “É maravilhoso! É maravilhoso! Mal posso acreditar!”, exclamava ela, correndo de um lado para o outro, beijo aqui, beijo ali, abraços, o saltar das rolhas das garrafas de champanhe, do francês, do melhor, havia bons motivos para isso, a festa iria durar pelo dia fora, ganhara o Óscar para melhor atriz, era apenas a segunda italiana a receber a estatueta depois de Ana Magnani, em 1955.

Nesse tempo não havia, como hoje, cerimónias em direto cheias de pompa e circunstância, com a marcha de Elgar como música de fundo. Nada disso! O júri tornava pública a sua decisão e quem quisesse que fosse a Hollywood buscar aquele homenzinho dourado que Margaret Herrick, que foi diretora da Academia de Artes e Música, resolveu comparar com o seu tio Oscar. Sophia não demorou a confessar: “Claro que vou! Com muito prazer. Muito em breve estarei em Hollywood a receber o meu Óscar. Provavelmente na próxima semana.”

Aliás, foram dois não norte americanos a arrebatarem o prémio para melhor ator e melhor atriz principal nesse ano de 1962: Sophia no filme “As Duas Mulheres” e Maximilian Schell em “O Julgamento de Nuremberga”.

O prémio para melhor filme iria para “West Side Story”, um papa-Óscares com dez no total, dirigido por Jerome Robbins e Robert Wise, uma boa xaropada (desculpem-me os fãs) sobre os amores de Tony, o rapaz do gangue branco, por Maria (“Maria/ The most beautiful sound I ever heard/ Maria. Maria. Maria. Maria…/ All the beautiful sounds of the world in a single word/ Maria. Maria. Maria. Maria…/ I’ve just met a girl named Maria/ And suddenly that name/ Will never be the same”, de Leonard Bernstein), a moça porto-riquenha irmã do inimigo figadal, do gangue hispânico.

Enfim, amores proibidos à maneira de Montéquios e Capuletos, cheio de música romântica até ao cúmulo de provocar diabetes, que leva inclusive com uma construção melódica à base de um concerto para piano de Beethoven e d’“O Lago dos Cisnes” de Tchaikovsky que ficou para a memória com o nome de “There’s a Place For Us”.

Sophia! Voltemos à vaca fria, sem que haja aqui o mínimo de desrespeito por essa figura extraordinária que foi Sophia Loren, nascida Sofia Constanza Brigida Villani Scicolone, em Roma, setembro de 1934.

Os amantes do cinema em geral e do cinema italiano em particular viviam fascinados por três mulheres de estalo: Sophia Loren, a melhor atriz do ano para Hollywood, Gina Lollobrigida, que estava no topo do seu momento divino (de diva, não de Deus), e Claudia Cardinale, a trilhar os primeiros passos do sucesso. La Bella Italia!

Sophia era uma mulher rica. Mas o Óscar deu-lhe, de novo, uma dimensão universal que parecia estar a perder. “La Ciociara”, romance de Alberto Moravia, trazido para as telas por Vittorio De Sica em “Duas Mulheres”, foi um marco. A Roma destruída pela guerra como palco da vida de Cesira e Rosetta (Loren e Eleonora Brown), mãe devota e filha plena de juventude. Jean-Paul Belmondo é Michele, o comunista morto pelos soldados nazis. Isto assim pela rama, claro está, o melhor é verem o filme, ou reverem se for o caso, e sobretudo lerem o livro extraordinário de Moravia, pseudónimo de Alberto Pincherle, jornalista e escritor perseguido pelo regime de Mussolini, o grande bufão.

La Ciociara é uma região do Lácio, a sudeste de Roma. Aí se desenrola a trama das mulheres que esperam pela invasão dos Aliados e são, no entretanto, violadas pelos Goumiers, legionários marroquinos que combateram no exército francês, e entram num profundo desatino mental.

Sophia tornou-se ainda mais rica. Três anos depois do Óscar (o primeiro para uma atriz de um filme não falado em inglês) recebeu um milhão de dólares para fazer de Lucila n’“A Queda do Império Romano”, lado a lado com Stephen Boyd, Alec Guinness, James Mason, Christopher Plummer, Anthony Quayle e Omar Shariff, uma daquelas megaproduções, que contou igualmente com um papel do português Vergílio Teixeira. Voltou a ser nomeada para o Óscar em 1965, aí como Filumena Marturano, a protagonista de “Matrimonnio all’Italiana”, também dirigido por Vittorio De Sica, outra película realista do pós-guerra, com Marcello Mastroianni a interpretar Domenico, o rico homem de negócios que liberta a bela Filumena de um bordel.

Como iam distantes os 17 anos! A idade em que pela primeira vez o seu nome surgiu nos créditos de um grande filme: “Quo Vadis”. Uma simples escrava de Lígia (Deborah Kerr) por entre milhares de figurantes. Entre os quais Bud Spencer, um guarda de Roma, e Elizabeth Taylor, uma prisioneira na arena do Circo Máximo.

O sucesso leva tempo.