«Pessoas que sonham»

Esta chamada de atenção, na Av. Almirante Reis, em Lisboa, apela a que atentemos nas «pessoas que sonham», naquelas que, em vez de racionalizar o real, o sonham como realidade alternativa

Todas as pessoas sonham, quando estão a dormir, mesmo que não se recordem de ter sonhado. É o sonho, durante o sono, que consolida o que aprendemos e vivemos no dia a dia. É o sonho, enquanto elemento do sono, que garante a interiorização e «arrumação» daquilo que nos vai acontecendo ao longo dos dias.

Trata-se – está provado cientificamente – de uma atividade cerebral, que faz que cada pessoa, diariamente, «trabalhe» toda a informação sobre o que lhe acontece, armazenada no hipocampo, estrutura localizada no lóbulo temporal central do cérebro. Depois, durante a fase do sono designada por SWS (slow wave sleep), o hipocampo projeta «pequenos filmes» no córtex frontal, sonhos frequentemente mais estáticos, que envolvem memórias mais antigas ou com forte carga emocional. Posteriormente, ao passarmos para a fase do sono designada por REM (rapid eye-movement), é a vez de o córtex frontal processar a nova informação. Fá-lo através de «pequenas narrativas», que filtram a informação desnecessária e mantêm a informação útil, o que permite consolidar as memórias mais duradouras.

Os sonhos que sonhamos nas duas fases do sono permitem, portanto, assimilar o mundo à nossa volta, restabelecer os sentimentos, as sensações e, assim, consolidar o conhecimento adquirido. Como tão bem explicita Agostinho da Silva: «Teria passado a vida / atormentado e sozinho / se os sonhos me não viessem / mostrar qual é o caminho». O sono é, pois, como um guardião da vigília, que, através do sonho, a organiza e lhe dá consistência.

Porém, sonhar de olhos acordados é algo que não acontece a toda a gente, se bem que muitos são os que sonham, nem que seja com o Euromilhões…

Mas a vida vai calcinando algumas pessoas, que perdem a capacidade de sonhar, passando a aceitar, passivamente, aquilo que lhes acontece. São pessoas resignadas, que vão sobrevivendo, pessoas que se vão arrastando pelos dias, «como a onda de uma tempestade a arrastar o mundo», nas belas palavras de José Luís Peixoto. A vida dura que levam ou os desgostos que se foram acumulando vão secando a vida que era suposto correr nas suas veias, misturada com o sangue, que é o único garante da sobrevivência. Nestes casos, as pessoas consideram que a vida é aquilo que aparenta e não pode ser diferente; consideram que nada mais há a fazer do que aceitar e seguir em frente. São pessoas que, por várias circunstâncias, perderam a capacidade de sonhar, de almejar algo distinto, de imaginar uma vida um pouco melhor.

Há, também, aqueles que sonham mais do que vivem, aqueles que, em linguagem popular, andam sempre «com a cabeça na lua», a imaginar que a vida poderia ser diferente, a acreditar que o mundo tem de ser mais do que aquilo que vemos, porque o que vemos é demasiado pequeno para as suas ambições, para aquilo que gostariam de fazer.

E são estes sonhadores que, por vezes, insatisfeitos com o real, aportam novos estudos científicos, novas possibilidades de análise do mundo. Sem sonhar nem imaginar é impossível descobrir a cura para o cancro, para erradicar a lagarta do pinheiro, para criar novas sonoridades, ou para produzir um espetáculo teatral em que todas as artes são convocadas para o palco.

Sonhar é, pois, imaginar novas portas de abertura ao conhecimento do mundo e do próprio eu. Sonhar é imaginar um novo palco para o teatro do mundo.

 

Maria Eugénia Leitão

Escrito em parceria com o blogue da Letrário, Translation Services