Natalidade teima em não descolar: nasceram menos 371 bebés no primeiro trimestre

Depois de um mês de janeiro farto em nascimentos, fevereiro já foi mais ou menos e as estatísticas de março não eram tão más desde 2014, o ano com menos nascimentos na história do país. Nasceram 20 364 bebés nos primeiros três meses do ano, menos 371 do que no primeiro trimestre de 2017. A…

O ano começou com mais um ensaio de baby boom, mas os dados mais recentes sugerem que foi sol de pouca dura. No primeiro trimestre nasceram 20 364 crianças no país, menos 371 do que nos primeiros três meses do ano passado – ano em que a natalidade tornou a cair, depois de uma ligeira recuperação do mínimo histórico alcançado em 2014. A manter-se a atual trajetória, a crise de natalidade parece estar para ficar.

Dados fornecidos ao i pelo Instituto Ricardo Jorge relativos aos testes do pezinho realizados a recém-nascidos – a análise feita nos primeiros dias de vida para despistar algumas doenças hereditárias e que permite assim ir acompanhando quase em tempo real a evolução dos nascimentos – revelam uma espécie de ioiô neste dossiê. Janeiro foi farto em nascimentos, com 7789 recém-nascidos – um recorde nos últimos anos para este mês, com mais 700 crianças do que em janeiro de 2017. Em fevereiro, o aumento já foi menos expressivo (nasceram apenas mais 96 bebés), e março inverteu a trajetória: no mês passado nasceram 6376 crianças em Portugal, menos 1192 do que há um ano – o suficiente para o trimestre fechar com saldo negativo.

Para já trata-se apenas de um valor indicativo, até porque a natalidade oscila ao longo do ano. Tradicionalmente, o mês com mais nascimentos é setembro, mês que no ano passado foi particularmente mau e contribuiu para a redução da natalidade no cômputo final do ano. Nos primeiros três meses de 2018, Lisboa, Porto, Braga e Setúbal foram os distritos com mais nascimentos, como é habitual. E aqui há duas equipas: em Lisboa e Braga houve aumentos ligeiros da natalidade; no Porto e em Setúbal nasceram menos bebés do que há um ano.

“No fundo do poço” Para perceber a dimensão da quebra da natalidade nos últimos anos do país basta recordar que em 2007, quando Cavaco Silva insistiu no tema na agenda política numa visita ao interior – questionando por que motivo não nasciam mais crianças no país –, Portugal registou 102 492 nascimentos, de acordo com os dados finais do Instituto Nacional de Estatística (INE).

Em 2014, até aqui o ano com menos nascimentos em Portugal, nasceram 82 367 crianças. Seguiu-se uma recuperação lenta, com dois anos consecutivos em que os nascimentos tornaram a aumentar, sem contudo tornar a ultrapassar os 90 mil nascimentos/ano – em 2015 nasceram 85 500 crianças, e em 2016 87 126. Em 2017, os últimos dados disponibilizados pelo INE apontam para 86 152 nascimentos em Portugal, de novo uma quebra.

Ana Alexandre Fernandes, demógrafa da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, não tem dúvidas: “Batemos no fundo do poço.” Em causa, a quebra no índice sintético de fecundidade, ou seja, quantos filhos tem em média cada mulher em idade fértil no país. Em 2014, o valor baixou para 1,21 crianças e desde então recuperou ligeiramente, para 1,36 filhos em 2016 – média que se terá reduzido de novo no ano passado. Na última comparação internacional, Portugal continua a estar na cauda da Europa nesta matéria, a par de Chipre ou Polónia, onde as mulheres não vão além de 1,4 filhos. A média na UE são 1,58. O país recordista é França, com 1,96 crianças por cada mulher em idade fértil.

O resultado está bem à vista nas estatísticas populacionais e nas projeções a longo prazo. Segundo o Instituto Nacional de Estatística, o agravamento do envelhecimento só irá estabilizar daqui a 40 anos. Portugal vai continuar a perder população, ficando pela primeira vez abaixo dos 10 milhões de habitantes em 2031 e passando a 7,5 milhões em 2080. O número de jovens diminuirá de 1,5 para 0,9 milhões. “Mesmo admitindo aumentos no índice sintético de fecundidade, resulta, ainda assim, uma diminuição do número de nascimentos, motivada pela redução de mulheres em idade fértil, como reflexo de baixos níveis de fecundidade registados em anos anteriores”, vaticinava há um ano o Instituto Nacional de Estatística. O número de idosos por cada 100 jovens passará de 147 atualmente para 317 em 2080, envelhecimento que só vai acalmar quando os atuais “filhos únicos” tiverem mais de 65 anos. A população em idade ativa diminuirá de 6,7 para 3,8 milhões de pessoas. 

Ana Alexandre Fernandes diz que não está calculado o número de filhos que seria necessário cada casal ter para repor o equilíbrio da população portuguesa, mas diz que seguramente seriam hoje mais do que os dois filhos do limiar de substituição de gerações. Se haveria tendência para ter mais filhos, a especialista alerta desde já que o país continua a não ter condições para tal, nomeadamente em termos de rede de creches acessível, salários adequados e incentivos fiscais. E o assunto é pouco debatido. “Do ponto de vista político deveria haver muito mais atenção para isto”, diz.